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AS CRIANÇAS SÃO UMA PRIORIDADE POLÍTICA
As crianças são uma prioridade política
2014-12-22
As crianças são uma prioridade política

As crianças são o grupo etário em maior risco de pobreza em Portugal. Estão em grave risco de pobreza 90% das famílias monoparentais em que a mãe ou o pai está desempregado, 53% dos casais com crianças em que os dois membros estão desempregados ou 34% dos casais com crianças em que um está sem trabalho. Estas são algumas das conclusões do relatório As Crianças e a Crise em Portugal – Vozes de  rianças, Políticas Públicas e Indicadores Sociais, 2013, lançado pelo Comité Português para a UNICEF no dia 27 de Outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O trabalho de campo, desenvolvido por um grupo de investigadoras do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, coordenado pelas professoras Karin Wall e Ana Nunes de Almeida, tem a particularidade de incluir opiniões de crianças e adolescentes sobre o modo como vêem a crise e sentem o seu impacto no dia-a-dia. Falámos com Madalena Marçal Grilo, a actual responsável pelo Comité Português para a UNICEF, onde começou a trabalhar como voluntária em meados dos anos 80. O tema da conversa foi a situação das crianças no nosso país e as propostas e recomendações que deixa à luz dos novos dados do relatório que coordenou. As crianças são o grupo etário em maior risco de pobreza em Portugal. A partir de 2010, a situação tem vindo a agravar-se com a adopção de medidas de austeridade, que têm impacto directo no bem-estar das crianças ao nível da saúde e educação e dos apoios sociais às famílias, especialmente às mais carenciadas.

 

O que reflecte o índice de pobreza infantil da sociedade portuguesa?
O índice de pobreza infantil é um dos indicadores mais relevantes para qualquer sociedade, pois é um meio para aferir o modo como os governos estão a assegurar o bem-estar das camadas mais vulneráveis e é também um indicador do bem-estar da sociedade no seu todo.

 

Este é o primeiro relatório publicado pelo Comité Português para a UNICEF sobre a realidade das crianças no nosso país num contexto de crise económica e financeira. Onde se pretende chegar à luz destes dados?
Os dados deste relatório não deixam margem para dúvidas. Ainda que em si mesmos não mudem a situação, os dados podem contribuir para a mudança, identificando necessidades indispensáveis para informar políticas e avaliar os progressos.

 

O relatório dá voz aos mais novos. O que dizem as crianças e adolescentes que foram entrevistadas por todo o país sobre a sua experiência actual e perspectivas de futuro?
As crianças referem que o desemprego dos pais e a falta de rendimento reflectem-se no seu dia-a-dia. A instabilidade psicológica é também referida como causa de deterioração do ambiente familiar. O estudo mostra também que as crianças têm consciência de que a crise está a comprometer o seu futuro enquanto geração, antevendo as consequências negativas que esta poderá ter nos seus projectos de vida nos domínios da formação, do emprego e da vida familiar.

 

O estudo mostra que em 2012 cerca de uma em cada quatro crianças em Portugal vivia em agregados com privação material. Quais são as maiores privações a que as crianças têm estado sujeitas?
Pode tratar-se de famílias com dificuldade ou incapacidade de pagar um empréstimo, a renda de casa ou as contas no prazo previsto. Pode acontecer não terem uma refeição de carne ou peixe a cada dois dias, por exemplo. A taxa de privação material definida a nível europeu é calculada por meio de um indicador com nove ordens de dificuldades: pagar um empréstimo, renda e contas da casa no prazo previsto, ter uma refeição de carne ou peixe (ou o equivalente vegetariano) a cada dois dias, fazer face a despesas imprevistas sem recorrer a empréstimos, manter a casa quente, ter telefone, ter televisão a cores, ter máquina de lavar roupa em casa, ter um carro para a família e pagar uma semana de férias fora de casa uma vez por ano.

 

O Estado tem vindo a aumentar impostos e a reduzir os apoios às famílias…
Os desafios que a recuperação económica coloca ao Estado Português dão-lhe uma oportunidade única de mudar e adoptar uma visão transformadora para o futuro, uma visão que ponha os direitos das crianças no centro das políticas de resposta à crise.

 

Perante a actual situação, que estratégias e recomendações o Comité Português para a UNICEF propõe?
Por um lado, a criação de uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza Infantil, centrada nos direitos da criança e que promova uma intervenção integrada e coordenada das várias áreas sectoriais. Devemos assegurar que as crianças são uma prioridade política, especialmente em tempo de crise. O governo deve avaliar o potencial impacto das políticas de resposta à crise na vida das crianças e na realização dos seus direitos. Por outro lado, deve ainda investir na educação da primeira infância e garantir acesso gratuito a estes serviços a famílias com baixos rendimentos.

 

Referiu a importância de criar uma entidade para os assuntos das crianças e da juventude. O que faria esse organismo?
Faria a coordenação, monitorização e aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança em Portugal.

 

Mais do que ouvir, é importante escutar as crianças. Como poderemos garantir a participação activa dos mais novos?
O governo e a sociedade civil devem criar estratégias de participação activa das crianças em processos decisórios que as afectam, garantindo o direito que a criança tem de ser ouvida.

 

Que outras recomendações saíram deste estudo?
Outra das nossas sugestões foi desenvolver um sistema global e integrado de recolha de dados que abranja todos os aspectos da vida das crianças. Mas, principalmente, a recuperação da crise com base no respeito pelos direitos humanos será a melhor estratégia para corrigir desigualdades – para erradicar a pobreza e para promover coesão social.

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