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CLOONEY, O ACTIVISTA. WHAT ELSE?
Clooney, o activista. What else?
2013-08-20
Clooney, o activista. What else?

O pai nunca lhe deu hipótese. Se cedesse ao deslumbramento teria, provavelmente de suportar o seu olhar desdenhoso, por isso nem quando foi eleito por duas vezes pela revista People “o homem mais sexy do mundo” sucumbiu ao próprio encanto. George Clooney não rejeita o estatuto de galã de Hollywood, mas leva-o pouco a sério. Nick, o pai, ensinou-lhe que um homem vale pelo carácter e esse revela-se pela forma como se está no mundo. Senhor de uma ética rigorosa e forte espírito cívico, o pai Clooney deu sempre o exemplo, envolvendo-se em causas sociais, políticas e humanitárias. George, que nunca escondeu ter no progenitor a principal referência, seguiu-lhe naturalmente os passos. No ano passado esteve com ele lado a lado numa manifestação de apoio aos refugiados do Darfur, região do Sudão onde campos de refugiados têm sido fustigados por milícias pró-governamentais que combatem movimentos separatistas. Os dois foram presos, juntamente com um grupo de congressistas à porta da embaixada daquele país em Washington. Os media registaram que Clooney forçou a prisão, ultrapassando a área de segurança da embaixada, com o objectivo de obter mais publicidade para a causa.

 

A forma como se dirigiu às câmaras revelou, segundo os repórteres, preocupação em falar das vítimas do Darfur e não do seu amor ao próximo, como tantas vezes acontece com as “estrelas activistas” de Hollywood. “A minha versão doutrinária vai neste sentido: aqueles que têm mais sorte com as circunstâncias têm sempre o dever de ajudar aqueles que a vida vai deixando para trás. Os mais afortunados têm o dever de proteger os outros”, afirmou ao semanário Expresso numa entrevista que concedeu em Novembro de 2011, por ocasião da estreia do filme Nos Idos de Março, thriller político baseado num escândalo que aconteceu nas eleições presidenciais de 2004 nos Estados Unidos, o tipo de tema que mais o estimula no trabalho de actor e cineasta.

 

Percurso esforçado

George nem sempre foi popular. Em criança, quando sofreu de paralisia facial durante um ano, foi vítima de partidas e piadas por parte dos colegas. A experiência, recorda, tornou-o mais forte. Na adolescência sonhou ser jogador de baseball profissional, mas apesar dos esforços não conseguiu um contrato. Andou à deriva, aceitando empregos ocasionais: vendeu fatos, trabalhou como operário numa fábrica de tabaco, até que se lembrou de tentar uma carreira na televisão. Em 1978 começou a fazer pequenos papéis na TV, dando início a uma travessia do deserto que só terminou em 1994, quando o convidaram para o papel de Dr. Doug Ross na série E.R .(em português Serviço de Urgência). A fama veio aos 33 anos, quando já levava mais de 15 de carreira. Este percurso tê-lo-á ajudado a relativizar o sucesso porque hoje, quando o interrogam sobre si, ironiza, revelando que não se leva demasiado a sério.

Quando em 2011 lhe perguntaram o que sentia por já ter feito 50 anos, respondeu: “Sinto-me muito bem, obrigado. Ainda consigo dizer estas palavras todas sem me babar ou ficar gago, como pode verificar”. Sobre a vida íntima Clooney foge às perguntas com o mesmo sentido de humor. Forma inteligente de lidar com a exposição inevitável do seu estatuto de estrela, sendo que na hora certa reverte a publicidade a seu favor, dando visibilidade ao que verdadeiramente lhe interessa: a carreira e as causas humanitárias.

 

Missão possível: Sudão


Numa entrevista concedida em Janeiro de 2001 à CNN o actor revelou que foi em 2000, ao ler no New York Times um artigo denunciando o que se passava no Darfur, que sentiu vontade de se levantar do sofá e contribuir para que a situação mudasse. A verdade é que até hoje os problemas humanitários do Sudão continuam a ser a sua causa bandeira. O activismo pelo povo perseguido naquele país africano levou-o a discursar em fóruns importantes, como nas Nações Unidas e na Casa Branca. Recém-chegado de uma viagem ao Cordofão do Sul, outra região separatista que tem sido massacrada pelo poder sudanês, disse no ano passado a uma comissão do Senado norte-americano que “o presidente Omar-al-Bashid e os seus colaboradores estão a provar que são os maiores criminosos de guerra deste século”. Pelo Darfur George Clooney viajou até à China e ao Egipto em missão diplomática para sensibilizar estes aliados do Sudão para a ecessidade de impor sanções ao regime vigente, em particular ao presidente Omar al-Bashir, sobre o qual impende um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. E até escreveu uma carta aberta a Angela Merkel pedindo a atenção da União Europeia para o flagelo dos sudaneses. Seguindo a cartilha paternal que o ensinou que quando se faz alguma coisa deve ser bem-feita, o senhor Nespresso não descura o trabalho de casa. “Estudo as causas a que me dedico com muita atenção, porque entendo que quando me envolvo tenho de saber muito bem do que estou a falar”, disse à CNN (Janeiro de 2001). Desde 2005 o actor já se deslocou seis vezes às zonas de conflito no Sudão, mas também visitou o Chade onde tem ocorrido muita violência na sequência de repetidos golpes de Estado. Em 2006, numa dessas viagens, foi acompanhado pelo pai para a região do Darfur onde filmou bombardeamentos sobre campos de refugiados, imagens impressionantes que deram origem a dois documentários, Sand and Sorrow e Darfur Now, que correram mundo.

 

Mensageiro da paz


Para conseguir mais alcance para a sua luta associou-se à Enough Project, organização não governamental financiada por diversas instituições de ajuda humanitária que tem acompanhado vários palcos de conflito em África, como República Democrática do Congo, Somália e Sudão, promovendo campanhas de sensibilização da opinião pública e recolhas de donativos. Mas a sua própria ONG, Not on Our Watch, viria a nascer em 2008 com Brad Pitt, Matt Damon, Don Cheadle, entre outras estrelas, também na mesma direcção. Além de campanhas de angariação de fundos e de denúncia das atrocidades dos senhores da guerra no continente africano, a Not on Our Watch pôs em marcha o Satellite Sentinel Project, programa de vigilância com satélites que tem como objectivo obter imagens em tempo real nas zonas de guerra. Em 2010, quando foi lançado, estaria prestes a decorrer o referendo que deu independência ao Sudão do Sul, em Janeiro de 2011. Receando que a repressão aumentasse sobre os separatistas a ponto de evitar a secessão, Clooney decidiu entrar na guerra fazendo de Big Brother: “Queremos avisar possíveis responsáveis por genocídio e outros crimes de guerra que estamos a observar, que o mundo está a observar”, disse em comunicado. Todas estas iniciativas revelaram uma faceta que lhe granjeou respeito, admiração e reconhecimento público. Em 2008 as Nações Unidas nomearam-no “mensageiro da paz”. A revista Times incluiu-o em 2007, 2008 e 2009 na lista das cem pessoas mais influentes do mundo e ainda este ano recebeu em Baden Baden, Alemanha, o German Media Prize pelo seu activismo. O júri descreveu Clooney como um “extraordinário ícone da indústria cinematográfica, e ativista único para as causas humanitárias e de paz”. No seu entender, “o actor tem usado a popularidade e a fama para atrair a atenção para crises e conflitos que têm sido suprimidos da consciência pública”. O prémio é entregue anualmente a pessoas que se destacam na política ou ajuda humanitária desde 1992 e já foi atribuído a personalidades como Helmut Kohl, François Mitterrand, Yasser Arafat, Nelson Mandela.

 

Clooney verde

Mas o activismo de Clooney não se esgota no auxílio aos povos oprimidos de África. Quando a revista Vanity Fair fez o primeiro número verde, em 2006, o actor foi convidado a juntar-se a um grupo de estrelas com preocupações ambientais para abrilhantar a edição. Promotor da campanha Oil Change, destinada a diminuir a dependência do petróleo estrangeiro e a ensinar os norte-americanos a reduzirem o consumo deste recurso, foi apontado como vedeta pró-ambiente. Lançou a campanha pouco depois da estreia do filme Syriana, thriller de 2005 que denuncia o papel da indústria do petróleo na geopolítica e as suas ligações criminosas. Obedecendo às suas regras de consistência, Clooney entendeu que se denunciava as ligações perigosas do sector petrolífero num filme, tinha de lhe dar seguimento na vida real. E ficou célebre a frase que proferiu quando anunciou a Oil Change: “Se fazes um filme sobre o consumo e a corrupção no mundo do petróleo, não podes apenas falar sobre o assunto, tens de fazer o caminho”. Mais tarde, em 2007, quando lhe perguntaram numa entrevista à revista Time se também se considerava ambientalista, deu uma das muitas respostas que têm ajudado a opinião pública a formar uma ideia sobre o seu carácter: “Não queres ser o porta-voz de uma causa a não ser que estejas completamente comprometido com ela. Têm-me pedido para representar alguns grupos ambientalistas. De facto, sou grande defensor da protecção do ambiente, tenho dois carros eléctricos, mas também uma grande fraqueza: voo em jactos privados”.

 

O galã de Hollywood também tem apoiado, sem complexos, a causa gay, através de depoimentos públicos e participação em iniciativas organizadas pelos movimentos gay e lésbico. Defende o casamento entre pessoas do mesmo sexo uma vez que considera que “gays e lésbicas – como todos seres humanos – nasceram com a mesma dignidade e direitos”.

 

Intervir através dos filmes

Basta consultar a filmografia de Clooney para perceber como a vida artística começou a convergir com a do activista. Lendo com atenção as entrevistas que o actor e agora cineasta deu nos últimos anos, percebe-se que a conversa se solta quando deriva para os temas sociais e políticos que lhe interessam, os que marcam a vida do planeta e lhe estimulam a criatividade. A política, confessa, sempre o apaixonou. De resto chegou a estudar Ciência Política na Universidade. A linguagem do cinema, livre dos constrangimentos do jornalismo, que precisa de provas para acusar, permite-lhe questionar, enfrentar os diferentes poderes, denunciar os seus podres: “Gosto muito de dizer umas coisas sobre a corrupção do sector financeiro e empresarial através de filmes como Michael Clayton. E tive imenso prazer em participar em filmes como Syriana. Falo nesses temas como falo na responsabilidade de uma imprensa livre. É nesse papel que me sinto melhor. Com a vantagem de que não tenho de responder pelo que faço. O meu único julgador é o público que compra bilhetes”, afirmou em entrevista ao Expresso. Elegante, inteligente, com sentido de humor e sem falhas graves de carácter que se conheçam, o senhor Nespresso parece perfeito de mais para ser verdade. Por isso um dia destes ainda lhe descobrem um defeito.

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