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SONHAR COM UMA FLORESTA
Sonhar com uma floresta
2013-05-17
Sonhar com uma floresta

O Homem Que Plantava Árvores é um conto, escrito por Jean Giono, inspirado em acontecimentos verdadeiros, que narra a história de um pastor que do nada faz surgir uma floresta inteira, numa das regiões mais inóspitas de França. Quando o leu, Miguel Teles, geógrafo, sentiu uma profunda identificação. Nos últimos anos, também ele já perdeu conta a quantas árvores plantou. Descobri que a enxada e o meu ombro encaixam perfeitamente. É uma aptidão natural”, revela com entusiasmo. Na associação Plantar uma Árvore, à qual preside, persegue uma utopia: “Levar cada pessoa a plantar uma árvore por ano”. Ao longo dos seus 38 anos, Miguel já passou por áreas tão distintas como planeamento e ordenamento, engenharia geográfica, cartografia ou consultoria na área do turismo. Foi preciso ficar desempregado para descobrir o local onde lhe apetece finalmente criar raízes. “Plantar uma Árvore foi um projecto que mudou tudo. É isto que me imagino a fazer para o resto da vida”. Prestes a ser pai pela primeira vez, Miguel Teles participa encantado no concretizar vagaroso do tal sonho de plantar um bosque inteiro.

 

Como surgiu a Plantar uma Árvore na sua vida?

Coincidiu com uma fase pela qual estava a passar de falta de identificação em termos do meu esquema de valores e ideais. Sentia que precisava de fazer algo e, na altura, envolvi-me no movimento Limpar Portugal. Entusiasmado, procurei outras iniciativas e fiquei a conhecer a Plantar uma Árvore. Ofereci-me como voluntário e apaixonei-me rapidamente por todas as suas iniciativas.

 

A Plantar uma Árvore também começou como movimento.

Sim, a Plantar uma Árvore começou em Novembro de 2009, como movimento de cidadania. Um grupo de amigos, após a típica vaga de incêndios de Verão, resolveu agir e, através das redes sociais, convocaram amigos, colegas, vizinhos e familiares para um dia de plantação. O resultado superou as expectativas e, no Dia das Florestas Autóctones, juntou cerca de 300 pessoas que plantaram 1.000 árvores em Monsanto, em Lisboa. Percebeu-se que era uma forma muito simples e apelativa de mobilizar as pessoas.

 

Como passou de voluntário a presidente da associação?

Após a primeira acção as solicitações foram muitas, mas a certa altura percebemos que não conseguíamos dar resposta a todas. No final de 2011 fiquei desempregado, estava a separar-me da minha companheira e propuseram-me agarrar a sério no projecto. Para mim, funcionou quase como terapia, paliativo para tudo o que se passava. Assumi o desafio e a minha vida mudou completamente. Foi um recomeço.

 

Curiosamente, a criação da associação foi formalizada num dia 25 de Abril.

Foi e não foi por acaso. Sucedeu que o processo estava a decorrer nessa altura e aproveitámos então a data. Como acreditamos que plantar uma árvore pode ser um acto de protesto positivo, à nossa medida também gostávamos de fazer uma revolução.

 

Que revolução é essa?

Mais do que plantar árvores nós gostamos de dizer que plantamos ideias para um novo paradigma. Em todas as nossas acções não olhamos apenas para a questão ambiental. Introduzimos sempre uma componente social. Queremos cuidar da terra, dos recursos, mas também das pessoas. Funcionamos como plataforma de mobilização cívica, fazendo a ponte entre a sociedade civil, os projetos ambientais e os sociais.

 

Essa mudança espelha-se também numa nova metodologia de trabalho?

Sim, implica aproveitar sinergias, trabalhar em rede e de forma cooperativa, quer com os voluntários, entidades públicas, privadas e associativas, quer com os cidadãos. Há tantos projetos ao longo do país com o mesmo espírito e que já envolveram os parceiros locais certos, que não faz sentido replicar as coisas. Preferimos criar uma rede de parceiros a nível nacional e funcionar como plataforma de mobilização para todas as suas iniciativas.

 

Assim, como conseguem o vosso próprio reconhecimento?

O que interessa é que as iniciativas se façam. Mais cedo ou mais tarde o reconhecimento vai surgir. Por exemplo, em regra estima-se que a plantação em regime florestal tenha taxas de sobrevivência na ordem dos 30%. Nas nossas iniciativas chegamos a ter áreas com taxas de sobrevivência de 70%. Estes dados são por si só um valor acrescentado. Além disso, organizamos as nossas próprias iniciativas, temos mais de 22.500 seguidores no Facebook e já contamos com um banco de voluntariado com mais de 2.650 pessoas.

 

Em relação às iniciativas a que se associam, que critérios têm de cumprir?

Têm sempre de obedecer a um conjunto de quatro regras: só plantar espécies autóctones, incluir uma iniciativa para crianças e outra para o público em geral, plantar sempre em espaços de fruição pública e as entidades têm de assumir uma gestão a longo prazo dessas áreas.

 

Relativamente às vossas actividades, quais gostaria de destacar?

Além das iniciativas de plantação de gramíneas, herbáceas, arbustos e árvores, organizamos actividades de conservação, recolha de sementes, rega. Organizamos oficinas de hortas ecológicas em quintais, de hortas verticais num plano de permacultura, saídas de campo com intervenção, acções de formação, além de vários projectos para escolas e empresas. Estamos também a preparar uma grande campanha nacional, totalmente inovadora, em parceria com a Associação Terra dos Sonhos, cujo objectivo é plantar 100 mil plantas e realizar mil sonhos de crianças e jovens doentes, carenciados e idosos.

 

E como tem sido para si este ano como presidente da Plantar uma Árvore? Também um sonho realizado?

Neste momento trabalho mais do que alguma vez trabalhei na minha vida. Acordo e deito-me a pensar no projeto. Se fosse outro tipo de trabalho, seria uma função que me esgotaria. Esta, pelo contrário, alimenta-me. Nunca trabalhei com tanto prazer. É isto que gostaria de fazer para o resto da vida.

 

Num dia de plantação, o que sente ao ver tanta gente mobilizada?

Já tivemos, em Monsanto, duas acções em que estiveram 500 pessoas em cada dia. É estupendo! É difícil explicar a sensação… Talvez seja perceber que ainda existe… esperança.

 

A vossa utopia inicial mantém-se?

Sim! O objectivo é “uma pessoa, uma árvore por ano”. Seriam cerca de 10 milhões de árvores plantadas anualmente. É isso que nós queremos: que cada pessoa aprenda a colher a semente, a semear e depois a vir plantar. A utopia mantém-se.

 

Lembra-se da primeira árvore que plantou?

Logo após o Limpar Portugal, criei o grupo de Lisboa do movimento Guerrilla Gardening, movimento internacional em que as pessoas fazem intervenções muito rápidas de plantação de árvores e flores em espaços abandonados na cidade. Foi nesse movimento que plantei a minha primeira árvore, mas depressa o grupo acabou por desaparecer. Foi na Plantar uma Árvore que realmente aprendi e descobri que a enxada e o meu ombro encaixam perfeitamente. Gosto de “desaparecer” e estar horas e horas só a plantar árvores.

 

O contacto com a natureza foi sempre uma constante no seu percurso?

Foi sempre na natureza que encontrei a maior tranquilidade e paz de espírito. As minhas férias foram sempre passadas a fazer percursos e caminhadas em alta montanha. Chegar ao cume e sentir-me pequeno, mas grande ao mesmo tempo, é único. E por causa da minha formação em Geografia tudo faz ainda mais sentido. Um professor na faculdade disse-nos que depois de tirarmos o curso passaríamos a olhar para a paisagem de forma diferente. E é verdade.

 

Criar um bosque demora cerca de 30 anos. Essa espera necessária não o desincentiva?

Há outra visibilidade do nosso trabalho que é incomparável. Tem a ver com as pessoas, com a sua sensibilização, com ver as crianças plantarem e quererem voltar. O empenho e cuidado das pessoas é muito visível e compensador.

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