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OLHA O PASSARINHO!
Olha o passarinho!
2013-08-20
Olha o passarinho!

De binóculos em riste e curiosidade no olhar, os birdwatchers acompanham atentos os movimentos e comportamentos das várias espécies de aves. 
Actividade inesgotável – e irrepetível – ganha cada vez mais adeptos num país privilegiado para a observação de aves: Portugal.

 

Em 1989 Gonçalo Elias, dinamizador do portal avesdeportugal.info, já tinha observado a maior parte das aves que é possível avistar em Portugal. “Mas o cortiçol-de-barriga-negra continuava a escapar-me”, conta. Então, numa altura em que “ainda não havia qualquer atlas publicado, e por isso a informação sobre as áreas de ocorrência das várias espécies era escassa”, partiu com um amigo de comboio para o baixo Alentejo. Munidos de bicicletas, foram à descoberta: alguém dissera que a estrada que liga Castro Verde a Mértola era um bom local para avistar essa ave e Gonçalo não queria perder a oportunidade. Um furo num pneu levou-os a uma oficina e aproveitaram para perguntar onde podiam observar o cortiçol. Era conhecido por outro nome, barriga-negra, mas era tarde: muito comum noutros tempos, já era raro avistar-se. “Grande balde de água fria!”, recorda Gonçalo. “Apesar das perspectivas pouco animadoras fizemo-nos à estrada. Para as bandas de Alcaria Ruiva parámos para observar um corvo, eis senão quando avistámos duas aves castanhas, de silhueta pouco familiar, em voo rasante. Eram dois cortiçóis-de-barriga-negra”. Esta visão, tão inesperada quanto marcante, permanece no seu espírito como se tivesse acontecido ontem. Birdwatcher há mais de 25 anos, Gonçalo Elias já observou mais de 1.500 espécies diferentes de aves. “Só em África vi mais de 1.000. Em Portugal observei um pouco mais de 300 e as restantes foram avistadas em diversos países europeus e também na Costa Rica”, diz. Do gosto pela observação nasceu o interesse pela recolha de informação “sobre a distribuição geográfica das nossas aves e também pelo tratamento dessa informação, de modo a torná-la acessível a todos os interessados”. Primeiro em livros, depois online. Assim surgiu a 1 de Janeiro de 2008 o portal avesdeportugal.info. “O objectivo é tornar mais fácil o acesso a informação completa e actualizada sobre os melhores locais para observar as aves selvagens de Portugal, seja para fotografá-las, seja simplesmente para identificá-las”, resume.

 

Mercado nacional

Sem dados oficiais quanto ao número de birdwatchers, é consensual que a actividade está em crescimento em Portugal. “A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) foi criada em 1993 e na altura tinha 200 sócios. Os observadores de aves eram muito poucos e conhecíamo-nos praticamente todos. A SPEA hoje tem 3.000 sócios. Todos, ou a maioria, são observadores de aves, mas nem todos os observadores de aves são sócios da SPEA”, ressalva Domingos Letão, coordenador do programa terrestre desta ONG. O aparecimento da fotografia digital e da internet, e a crescente sensibilização para as questões ambientais são possíveis explicações para este aumento de interessados, avança Gonçalo Elias. Domingos Leitão refere ainda o trabalho desenvolvido por ONG como a SPEA, Quercus e Liga para a Protecção da Natureza na promoção desta actividade, além do aparecimento de operadores turísticos especializados. Birds & Nature Tours foi a primeira empresa dedicada à observação de aves a surgir em Portugal. “Começou por uma questão de paixão por esta área, conciliada com o facto de eu entender que nesse ano (2008), havia finalmente potencial de mercado para criar uma empresa”, explica João Jara, mentor do projecto e observador de aves há 30 anos. “Como destino de birdwatching, Portugal tem uma dicotomia engraçada: por um lado, o mercado nacional é muito pequeno, por outro, o mercado internacional é grande – fala-se em 80 milhões de pessoas que observam aves, número que provavelmente já está ultrapassado –, mas não conhece ou não vê Portugal como bom destino de birdwatching”, resume. Ao contrário do que acontece nos países do norte da Europa e nos Estados Unidos, onde esta actividade tem forte tradição, em Portugal quase dá os primeiros passos.

Espanha, aqui ao lado, e fruto de uma aposta forte nas últimas décadas, foi apontada, há poucos anos, por 2/3 dos leitores da revista inglesa Birdwatch como o destino onde gostariam de observar espécies de aves no sul da Europa, refere João Jara. “Não há razão para Espanha ser um destino ornitológico já consolidado e Portugal não. A única diferença é a nossa falta de divulgação”, afirma o coordenador da SPEA. “Felizmente acordámos, já existe muita promoção, mas é preciso mais”, acrescenta.

 

Na rota das aves

Até porque Portugal é um destino atraente para os apaixonados pelo birdwatching. E com uma vantagem face ao país vizinho: as distâncias são mais curtas. “Portugal tem as mesmas aves de Espanha com essa enorme vantagem. Um turista aterra em Lisboa e em 20 minutos está a ver flamingos e diversas espécies típicas de um estuário do sul da Europa. E em menos de uma hora e meia está a ver abetardas, águas-imperiais, cortiçóis-de-barriga-preta, em Castro Verde e no vale do Guadiana”, descreve o responsável da Birds & Nature Tours. O mesmo acontece a quem chega a Portugal pelo sul, aterrando em Faro. “Sai do aeroporto e tem locais de primeiríssima grandeza para observar as aves aquáticas, o parque da Ria Formosa; desloca-se uma hora e pouco para norte, para Castro Verde, e tem as abetardas e outras espécies de habitats complementares”, afirma. Condições “muito interessantes”, perfeitas para programas que combinam as três regiões: estuários de Lisboa, zona do baixo Alentejo e Algarve. E que muito surpreende, pela positiva, os birdwacthers estrangeiros, de acordo com a experiência de João Jara. “As pessoas não estão à espera que Portugal seja tão interessante. É um trabalho que leva tempo, mas estou absolutamente certo de que vai dar frutos”, sublinha. Em Portugal é possível observar, regularmente, 360 espécies de aves, segundo dados da SPEA. O número não é impressionante quando comparado com a Costa Rica, por exemplo, onde em pouco mais de uma semana é possível avistar 400, mas são realidades diferentes. Portugal é um destino europeu. E além das curtas distâncias entre as áreas de observação, situa-se numa zona de passagem para muitas aves e acolhe espécies que encontram aqui condições para desenvolverem populações numerosas e saudáveis (tal como em Espanha). Tem ainda espécies endémicas como o priolo, na ilha de São Miguel, e a freira-da-Madeira, na ilha homónima – em todo o mundo, apenas podem ser observadas nesses locais. Claro que há também pontos fracos e que devem ser resolvidos, como baixo número de estruturas para observação e fotografia (hides, abrigos para observar aves) e falta de sedes das áreas protegidas e outros centros de visitação abertas ao fim-de-semana, refere João Jara. Um caminho de melhorias que aos poucos está a ser trilhado. Para que cada vez mais pessoas observem aves em Portugal.

 

ROTEIRO

Por onde começar?

Portugal é um território pequeno, mas com grande variedade de espécies de aves e excelentes zonas para observá-las. Basta recordar que existem 93 áreas importantes para aves, onde podem ser observadas regularmente cerca de 360 espécies. Curtas distâncias e boa rede rodoviária permitem fácil acesso às várias regiões. Mas, por onde começar? A RE CICLA pediu a Domingos Leitão, coordenador do programa terrestre da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) que indicasse os melhores locais para os principiantes de birdwatching partirem à descoberta. Em traços gerais, dividiu o país em cinco zonas. Os interessados podem completar este roteiro com a informação disponível no site do Turismo de Portugal – Observação de Aves (www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/AreasAtividade/ProdutoseDestinos/Pages/RoteirodeTurismodeNaturezaObservacaodeAves.aspx).

 

COSTA

Peniche (cabo Carvoeiro), Sagres (Cabo de são vic ente), ilhas dos Açores e da Madeira

 

A fonteira do território com o mar torna-o muito apelativo para as aves marinhas, “principalmente durante o Inverno”, diz Domingos Leitão, em locais como Peniche (Cabo Carvoeiro) e Sagres (Cabo de São Vicente). Também as ilhas dos Açores e da Madeira proporcionam excelentes encontros com as aves. Aliás, os nossos arquipélagos acolhem das maiores populações a nível europeu de espécies como cagarra, alma-negra e garajau-rosado.

 

ESTUÁRIOS

Do Tejo, do Sado, do Guadiana, ria Formosa, ria de Aveiro e lagoa de Santo André

 

As aves associadas a zonas húmidas dão-se bem por cá. “O nosso país está na franja da Europa, numa rota migratória muito importante, e zonas húmidas muito grandes como estuário do Tejo, estuário do Sado, ria Formosa, estuário do Guadiana, ria de Aveiro e lagoa de Santo André são pólos de atracção para as aves”, aponta Domingos Leitão. No estuário do Tejo, por exemplo, é possível ver bandos de aves aquáticas e limícolas como maçarico, pernas vermelhas, borrelhos. “As zonas húmidas atraem grande número de espécies migratórias e invernantes, à parte das espécies residentes como garças, flamingos, aves de rapina…”, explica o coordenador da SPEA .

 

FLORESTAS

Montados de sobro e de azinho no Vale do Tejo e no Alentejo, e Floresta Laurissilva na Madeira e nos Açores

 

Domingos Leitão destaca duas florestas portuguesas “únicas no mundo”: montados de sobro e de azinho, no continente, e Laurissilva na Madeira e nos Açores. Trepadeiras, açores, gaviões, entre outras, podem ser observadas nos montados de sobro e de azinho, no vale do Tejo e no Alentejo. A Laurissilva acolhe espécies endémicas dos arquipélagos, como o priolo, na ilha de São Miguel, o bis-bis e a freira-da-Madeira, na ilha da Madeira.

 

VALES FLUVIAIS

Do Tejo e do Douro

Acidentados, remotos e com penhascos para o rio, os grandes vales fluviais – Tejo e Douro – “têm populações de aves planadoras de grande porte muito importantes: abutres (grifo, abutre-negro, abutre-do-Egipto), águia-real, águia-imperial, águia-de-Bonelli, cegonha-negra, …”, diz o coordenador do programa terrestre da SPEA . “A maior parte dos portugueses não sabe que existem abutres em Portugal”, lamenta. “Existem e é nesses sítios que podem ser observados.”

 

PLANÍCIE

Castro Verde, Elvas e Campo Maior

No interior do país, no Alentejo, destacam-se as zonas abertas e secas, “onde há cereal de sequeiro, mosaico com pousios e cultivo de leguminosas”, diz Domingos Leitão. “O expoente máximo é Castro Verde, mas também Elvas e Campo Maior”, acrescenta. Nestas zonas é possível observar a abetarda, o sisão, o alcaravão, o cortiçol-de-barriga preta, o francelho, o rolieiro. “Espécies raras a nível global e que têm populações muito importantes no sul de Portugal e no sul de Espanha”.

 

 

 

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