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SOCIÓLOGA DE INTERVENÇÃO
Socióloga de Intervenção
2010-08-01
Socióloga de Intervenção

Preocupada com o ambiente desde os tempos de estudante, Susana Fonseca, presidente da Quercus, faz da máxima “reduzir, reutilizar e reciclar” um estilo de vida. A RECICLA conversou com a primeira mulher à frente da ONG ambiental mais mediática do país, que divide os dias entre a investigação e a luta por uma causa.

 

É um rosto da causa ambiental. Quando começou a interessar-se pelas questões ecológicas?

Ainda andava no secundário, no 11.º ano, na antiga área A – Ciências. Na altura só havia recolha de vidro, com vidrões na rua, e na minha escola iniciou-se um projecto de recolha de papel. A partir daí fiquei mais consciente da questão dos resíduos. Depois houve um hiato, mas mais tarde estive envolvida nalguns projectos da faculdade, no Instituo Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

 

Como chegou à Quercus?

 O meu primeiro projecto de investigação, relacionado com movimentos sociais e o seu impacto, pôs-me em contacto com a associação. Comecei a colaborar como voluntária com o Centro de Informação sobre Resíduos (CIR), que estava a começar. Depois convidaram-me para a direcção nacional. Foi um conjunto de acasos.

 

Sentia vontade de participar num movimento associativo?

Tinha vontade de fazer alguma coisa. O facto de o CIR estar em formação ajudou. Tornei-me sócia e comecei devagarinho; foi uma entrada de mansinho. Sentia falta de voltar à questão ambiental, que me preocupava.

 

A opção por Sociologia do Ambiente é prova dessa preocupação?

Foi uma escolha consciente. No terceiro ano da Faculdade pensava em seguir sociologia urbana; não gostei. Experimentei sociologia do ambiente e vi que era o meu espaço. A minha tese de mestrado foi nessa área – a perspectiva de como a sociedade olha para a questão ambiental.

 

A partir de então tem participado activamente na associação e é a primeira mulher presidente da associação. Que significado tem isso para si?

Não tem significado especial porque não é uma conquista dentro da Quercus – não há essa questão de género. Até foi numa altura complicada para mim – fui mãe a 21 de Março e no sábado, dia 28, fui eleita presidente da Quercus.

 

Quais as prioridades para este mandato?

Há situações internas que temos de trabalhar. Temos também como objectivo aproximarmo-nos dos sócios, saber quais os seus interesses, o que esperam da Quercus e facilitar o sistema de pagamento de quotas ou atribuição de donativos. A Quercus tem dois trunfos: os núcleos regionais e as áreas que abrangemos. Não trabalhamos todas com o mesmo grau de profundidade – não é possível –, mas há áreas estratégicas que temos de reforçar. Duas estão bem encaminhadas, água e agricultura sustentável. Depois há outra: ordenamento do território.

 

As acções da Quercus ao estilo Greenpeace abrandaram. Querem afastar-se dessa linha?

Estamos a ficar velhos! (risos) Ao longo da história da Quercus houve vários momentos. As coisas pessoas e os tempos não são os mesmos. Neste momento temos um leque de ferramentas mais alargado e só partimos para essas acções quando não estamos a progredir no bom sentido.

 

A associação celebra 25 anos. Que balanço faz?

A Quercus tem evoluído na sua capacidade de actuação, cada vez de forma mais profissional, no sentido de termos melhor noção do mundo em que nos movemos. A Quercus começou na área da conservação da natureza, depois passou para as questões de resíduos e energia, e recentemente voltou a dar mais atenção à biodiversidade e natureza. Temos uma actuação equilibrada entre as várias áreas e com uma postura mais correcta, com projectos que demonstram aquilo que consideramos que deve ser feito: micro reservas, centros de recuperação de animais selvagens,…

As pessoas acham que estamos sempre do contra. Iniciativas como Minuto Verde, programa em que damos conselhos, transformaram a nossa imagem junto da opinião pública.

 

Qual o maior problema ambiental de Portugal?

A falta de sensibilidade, de conhecimento até, de muitas pessoas que tomam decisões importantes para o país. Aplica-se aos governantes e aos decisores, mas também aos cidadãos. A cultura da sustentabilidade ainda não está inculcada. Isto dificulta que soluções mais interessantes sejam aprovadas e facilita a quem quer propor soluções insustentáveis que o continue a fazer.

 

Mas as pessoas estão mais sensibilizadas…

Até reciclam algumas coisas, têm uma ou outra prática ambiental, mas não são críticas em relação ao que compram. Não se preocupam se é português ou chinês, se tem demasiada embalagem, se é sustentável ou não, se é feito com fibras naturais ou sintéticas. São precisas ferramentas no terreno, rótulos credíveis que ajudem a escolher melhor. Não temos cultura de rótulos, mas também não temos cidadãos a solicitá-los. Houve, porém, uma evolução significativa. Os próprios resultados da SPV, ainda que modestos, demonstram que as pessoas têm aderido com maior regularidade.

 

O excesso de consumo é um dilema?

É o nosso grande problema, e o excesso de produção para o alimentar. Estamos acima da capacidade do planeta. Teremos de reduzir significativamente a nossa pegada ecológica e isso não vai lá só com eficiência, mas com redução no consumo. A reciclagem, por vezes, dá a ideia de que não há problema em consumir porque depois se recicla. É um erro crasso. A reciclagem apanha uma franja do que é colocado no mercado e o planeta não consegue comportar a busca contínua de recursos naturais para os nossos produtos. O caminho é mesmo os 3 R’s – reduzir, reutilizar e reciclar.

 

Como aplica essa máxima na sua vida?

Tento ser criteriosa nas minhas compras e no dia-a-dia da minha casa. Moro na Margem Sul e nunca venho para Lisboa de carro, excepto em situações muito pontuais em que vou muito tarde para casa. Mas será menos de uma vez por mês.

Tenho hábitos de poupança de água e de energia – desligo as luzes, tenho lâmpadas eficientes, uso a máquina da roupa dentro dos horários bi-horários e nunca seco a roupa na máquina. E não compro coisas com regularidade – a minha roupa e o meu calçado duram muito tempo. Não quer dizer que não tenha incongruências. Ainda tenho caminho a percorrer.

 

Foi mãe há pouco tempo. Os mimos ecológicos começaram desde cedo?

Sim, há imensas coisas que se pode fazer. Uso fraldas e toalhitas reutilizáveis. Compro roupa para a minha filha na loja Kid to Kid, em segunda mão. E grande parte dos equipamentos, como cadeirinhas para o carro, ou são emprestados ou comprados na Kid to Kid. É um desperdício comprar esses produtos – têm tempo de vida muito curto.

 

Está a terminar o doutoramento. Imagina-se a alterar o seu rumo profissional – deixar o universo da investigação e das ONG e trabalhar numa empresa?

A Quercus é componente voluntária, portanto o meu suporte financeiro pode ser através da investigação ou da via empresarial. Gostava de ter a experiência do outro lado, de quem está a implementar e a tentar melhorar a sua conduta. Neste momento imagino benefícios de um lado e do outro. Mas não prevejo deixar a Quercus – posso é não manter actividade com esta intensidade. 

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