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MULTIPLICADOR DE BOAS PRÁTICAS
Multiplicador de boas práticas
2011-06-01
Multiplicador de boas práticas

“Faz-se muita coisa boa em Portugal”, garante Miguel Martins, 32 anos, fundador e director do Instituto de Empreendedorismo Social, associação que identifica e apoia projectos sociais inspiradores. 

Miguel Alves Martins, 32 anos, fez várias missões de voluntariado em África. Aí aprendeu que “a beleza das ideias geniais vem da mistura da experiência técnica com a experiência prática do dia-a-dia”. Esta é uma das mensagens que transmite nos cursos de formação do Instituto de Empreendedorismo Social (IES), associação sem fins lucrativos que tem como missão identificar, apoiar, formar, promover e ligar iniciativas de alto potencial. Objectivo? Inspirar e capacitar para um Mundo melhor.

Parece utópico, mas a equipa do IES tem os pés bem assentes na terra. Até agora o IES já identificou e apoiou dez iniciativas (cinco em Cascais e cinco em Vila Real). Muitas foram replicadas, como a Escolinha de Rugby da Galiza, no Estoril. O objectivo último é profissionalizar a gestão das organizações sociais, criar uma escola de negócios sociais e transformar o terceiro sector em Portugal.

A equipa do IES não trabalha sozinha. “Estabelecemos parcerias com universidades, alunos, ex-alunos de MBA, técnicos e gestores profissionais, os quais desenham o modelo de negócio da organização e identificam os principais problemas. Depois, estudantes universitários fazem teses aplicadas de mestrado sobre a solução”, explica Miguel Martins.

As boas práticas sociais chegam assim às universidades, sob a forma de caso de estudo, em cadeiras de empreendedorismo social e de gestão de organizações sem fins lucrativos que o IES ajuda a implementar.

Por que escolheu o curso de Agronomia e o que levou-o a mudar para Engenharia do Ambiente?

Fui para Agronomia porque não tive média para entrar em Medicina Veterinária. A mudança para Engenharia do Ambiente deveu-se a dois grupos que marcaram a minha vida universitária e que estavam instalados na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova Lisboa: a equipa de rugby e o GASNova, Grupo de Acção Social da Associação de Estudantes. No meu percurso universitário houve a procura de um rumo, mas que só encontrei pós-licenciatura quando estudei administração social no Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS), empreendedorismo social em França e non profit management (gestão sem fins lucrativos) nos Estados Unidos.

 

Quando surgiu o interesse pela área social?

Não sei bem o que é o interesse pela área social… Será a curiosidade pelas diferenças que existem na sociedade? Ter sido escuteiro deu-me boas bases e, quando tinha 16 anos, fui durante alguns meses voluntário no Banco Alimentar Contra a Fome. O GASNova foi uma rampa muito importante enquanto estudante universitário, tanto no trabalho desenvolvido em Portugal, como quando estive em missões em Cabo Verde e Moçambique. Foram escolas de vida que me ajudaram a compreender a diversidade das sociedades e as diferenças culturais.

 

Na conferência TEDxYouth, no Porto, em 2010, contou que os funcionários de um centro de saúde em Cabo Verde não sabiam o que fazer com cinco mil caixas de medicamentos entregues por uma ONG francesa. Os seus “14 anos de liceu francês” serviram para traduzir as informações nas caixas dos medicamentos e o seu “colega hipocondríaco” organizou a farmácia. Ainda acompanha este projecto?

Não, mas sei que no ano seguinte o GASNova enviou um estudante de Farmácia que concluiu o nosso trabalho. Ao organizar os medicamentos percebeu-se que alguns não faziam falta naquele centro de saúde e enviaram-nos para outros centros. O mais importante nestes movimentos universitários é o investimento feito na pessoa que vai. O trabalho que se faz lá, durante apenas dois meses, só resulta se houver continuidade nas missões seguintes.

 

Foi a Moçambique numa missão que ia estudar o problema das cheias. O que aprendeu?

Estive três vezes em Moçambique: em 2001 e 2002 através do GASNova e em 2003 através do projecto Pais Protectores da ONG TESE, criada através do GASNova. África necessita de muito trabalho e em muitas frentes. Na primeira missão havia pessoas mais habilitadas do que eu a nível de engenharia. Antes de partir recebi formação da AMI, o que me permitiu participar num projecto de apoio às enfermarias dos centros de saúde. Fui auxiliar de parteira, o que me deu um gozo especial. Também criámos uma escola de informática em parceria com os jesuítas. No primeiro ano demos aulas de informática. Percebemos que não era o melhor caminho e no segundo ano criámos um curso de formação de formadores, para que houvesse formação o ano todo. Mais tarde demos formação em hardware porque constatámos que não havia quem fizesse a manutenção dos computadores. Este projecto foi muito importante porque mostrou-me que, com pequenas acções, podemos criar iniciativas sustentáveis em África. Em 2002, em parceria com o município da Beira, desenhámos um projecto de reciclagem para as lixeiras e de acompanhamento para os miúdos que delas obtinham rendimento. O município tomou conta do projecto e sei que, pelo menos na parte da reciclagem, foi implementado.

 

Acabou o curso, começou a trabalhar e voltou a estudar. Porquê?

Trabalhei durante três anos. Fora das horas de trabalho continuava a acompanhar projectos sociais: mantive ligação ao GASNova, estive no arranque da TESE, trabalhei em campos de férias. Tudo isto era uma necessidade de construir uma sociedade melhor e mais justa. Mas, paralelamente, tinha de equilibrar as fontes de rendimento para pagar as contas ao final do mês. Então, fiz uma pós-graduação em administração social no Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS), que entretanto fechou, e choquei de frente com o conceito de empreendedorismo social. Demiti-me de uma empresa que trabalhava para o grupo PT e fundei a consultora Beyond Sustainable Ideas, já no espírito de empreendedorismo social. Entretanto soube que o INSEAD, uma das melhores escolas de negócios do mundo, iria arrancar com uma formação de executivos nessa área em França e decidi inscrever-me. Foi aí que percebi que existe um mercado híbrido entre o lucrativo e o não lucrativo. O curso que fiz há cinco anos vai ser agora replicado em Portugal. Não é coincidência.

 

Depois estudou gestão de organizações sem fins lucrativos nos Estados Unidos. O que aprendeu com os norte-americanos?

Aprendi que a gestão das organizações sociais pode ser profissional. Nos Estados Unidos o sector social é muito profissionalizado, estruturado, complexo e eficaz. É um mercado que movimenta valores extraordinários.

 

Em Dezembro de 2008 fundou o Instituto de Empreendedorismo Social (IES). Qual é o objectivo desta associação?

O IES nasceu de um desafio lançado pela Câmara Municipal de Cascais durante o congresso de Empreendedorismo Social. Queríamos encontrar uma estrutura que aproveitasse todo o capital humano presente no congresso e que desenvolvesse e promovesse o empreendedorismo social em Portugal. Então nasceu a ideia de criar uma Social Business School (Escola de Negócios Sociais) no nosso país. Foi essa visão que alimentou a estratégia do IES.

O congresso trouxe a Portugal projectos estrangeiros inspiradores. Verificámos que se criaram ecossistemas para ajudar à replicação destas iniciativas no nosso país. Por exemplo, quando o Celso Grecco apresentou o projecto da Bolsa de Valores Sociais no II Congresso, em 2008, os representantes da Euronext e da Fundação EDP que estavam na plateia acharam a ideia interessante. Marcaram uma reunião com ele e, em 2009, a BVS arrancou em Portugal, já com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. A BVS é, de facto, uma ideia excelente, mas como é que não temos casos de sucesso em Portugal? Para criar uma Social Business School precisamos de estudos de caso nacionais. Então desenvolvemos a metodologia ES+, que identifica as histórias de sucesso numa determinada região. A investigação começou em Cascais, onde encontrámos cinco iniciativas com elevadíssimo potencial de sucesso e que decidimos apoiar através de uma série de programas que envolvem os nossos associados e as universidades. É com base nestes projectos de sucesso que ensinamos os líderes de hoje e de amanhã.

 

Uma das iniciativas identificadas pelo IES foi a Escolinha de Rugby da Galiza, no Estoril, projecto de integração social de crianças e adolescentes. É possível medir o impacto do apoio do IES neste projecto?

A avaliação está a ser feita agora. Dificilmente mediremos variáveis como aumento de miúdos que frequentam a Escolinha, de patrocinadores ou de voluntários. Os impactos que nos interessam não são directos. Primeiro, queremos impactar a confiança que as pessoas têm no projecto que têm em mãos. Segundo, queremos melhorar a confiança das pessoas nas suas competências e dar-lhes novas competências. A função do IES é apoiar, acreditar, dar formação, estabelecer contactos, ensinar a fazer orçamentos, sugerir, etc. Mas não queremos ter impactos directos. Por isso colocamos um jovem brilhante a realizar uma tese de mestrado dentro da organização. Ele levanta questões, ajuda a organização a pensar, explica que tipos de ferramentas existem, procura as opções que existem no mercado, constrói a solução em parceria com a organização. Todos os envolvidos no processo aprendem fazendo.

 

O ES+ foi criticado por em Cascais tudo ser muito fácil…

O ES+ foi criado em 2009 por investigadores do IES em parceria com o com os professores Filipe Santos, do INSEAD, José Paulo Esperança, do ISCTE, Raquel Campos Franco, da Universidade Católica do Porto, e o doutorando Ricardo Zozimo, da Universidade de Lancaster. É uma metodologia académica apresentada e reconhecida pelo Painel de Boas Práticas da Rede Académica Europeia de Economia Social (EMES) e pelo Painel de Boas Práticas da Comissão Europeia. Quando surgiram estes reconhecimentos públicos percebemos, tanto a nível interno como através de pessoas à nossa volta, que deveríamos testar a metodologia noutro ambiente, porque só assim seria certificada e validada. Isto porque um ecossistema como o de Cascais é, à partida, favorável à viabilidade de projectos sociais. Assim, falámos com o Governador Civil de Vila Real, uma região rural, e lançámos-lhe o desafio. Este ano centramo-nos no Porto e já estamos em negociação com alguns municípios da periferia de Lisboa.

 

As iniciativas que identificaram em Vila Real foram replicadas?

A Bolsa de Voluntariado do Parque Natural do Alvão vai ser replicada noutros parques da rede do ICNB. A Loja Eco do EcoMuseu do Barroso está prestes a ser considerada Boa Prática pelo Turismo de Portugal. O Empréstimo de Equipamento Médico é, ele próprio, um projecto replicado dentro da Cruz Vermelha Portuguesa. A Oficina Agrícola, que visa promover o desenvolvimento pessoal de jovens com deficiência através de actividade profissional regular na área da agricultura, tem despertado muito interesse. O município de Vila Real cedeu um terreno ao Centro de Apoio a Deficientes do Alto Tâmega (CADAT), valência da Santa Casa da Midericórdia, e esta organização conseguiu reintegrar essas pessoas através da agricultura. A produção é canalizada para o CADAT e para outras estruturas da Santa Casa.

 

Em que consiste a formação do IES?

Temos duas vertentes: cadeiras de mestrado nas universidades e formação para executivos. Aos alunos de mestrado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa disponibilizamos cadeiras trimestrais de empreendedorismo social e gestão de organizações sociais. Também participamos no módulo professional citizenship, com a duração de quatro dias, nos quais os alunos vão ao terreno conhecer os projectos de boas práticas sociais em Cascais. Entretanto assinámos um protocolo com a Universidade do Porto.

Os programas para executivos são em parceria com o INSEAD. Este ano teremos dois Boot Camp. O primeiro, de 10 a 12 de Junho, é um curso leccionado em português, por docentes do INSEAD, e destina-se a 32 universitários e recém-licenciados que tenham uma ideia e queiram viabilizá-la. No final apoiaremos a implementação das três melhores ideias. Em Setembro teremos outro curso, mas aberto ao público. Para além disso teremos o Programa de Empreendedorismo Social INSEAD (ISEP), que é idêntico ao que frequentei em 2006. Trata-se de um curso intensivo, de cinco dias, e destina-se a empreendedores sociais com provas dadas.

 

Em Março, numa entrevista à revista do Programa Escolhas, disse que espera “grandes novidades” no sector social nos próximos dois anos. Quais?

Essa afirmação já está desactualizada. Basta olhar para os últimos meses. O INSEAD, pela primeira vez na sua história, decidiu apresentar um produto numa língua que não o Inglês e em parceria com organizações locais. Logo a seguir, a Universidade Católica do Porto, com o apoio de Muhammad Yunus e em parceria com uma business school francesa, oficializou a abertura de uma cátedra em negócio social. Depois o ISCTE criou o Momentum Project, em parceria com a escola de negócios ESADE, o BBVA e a Stone Soup Consulting, programa que apoiará financeiramente dez empreendimentos sociais. A organização mundial Ashoka, que é um dos colossos desta área, oficializou a vinda para Portugal. Há bancos estrangeiros que querem entrar no sector social português. Fundações e projectos nacionais foram reconhecidos a nível internacional como boas práticas na área da inovação e do empreendedorismo social, como o programa Aconchego, da Fundação Porto Social, reconhecido como boa prática europeia, e o 4 Leituras, apoiado pelo IES e reconhecido como boa prática na área da educação. O número de projectos externos considerados boas práticas e que foram replicados em Portugal (BVS, Turma do Bem, The Hub, etc) é impressionante e há mais em negociação. Também surgiram consultoras a actuar nesta área (Stone Soup, Sector 3, Call to Action, etc.), meios de comunicação especializados (portal VER, revistas Gingko e IM), e há até o fundo Bem Comum, promovido pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), que visa combater o desemprego nas pessoas com mais de 40 anos. Isto para dizer que há muita coisa a acontecer no sector social em Portugal. Temos de ter capacidade de capitalizar estas iniciativas e transformar o sector, tornando-o numa máquina mais eficiente com metas mais claras, melhor utilização dos recursos, mais profissional na sua gestão, com mais partilha e transparência.

 

A falta de formação é o maior problema do sector social português?

A maior lacuna é a ausência de formação de qualidade, sobretudo em áreas ligadas à gestão das organizações sociais. É preciso separar as funções de inovação, empreendedorismo e gestão, pois é difícil agregá-las numa mesma pessoa. Se o sector social fosse um barco, o inovador faria o desenho e a maqueta, o empreendedor pegaria na maqueta e iria até à garrafa de champanhe, e o gestor manteria o barco e dar-lhe-ia um rumo.

 

No TEDxYouth referiu que o sector social representa cerca de 6,5% do PIB e que engloba cerca de 300 mil colaboradores, 20 mil voluntários e 39 mil instituições sociais. Há um excesso de instituições?

No sector social português há falta de escala nas instituições e há duplicação de esforços e de serviços em áreas específicas. Em tempos de crise deveria criar-se condições para que existisse um maior número de fusões de organizações sociais, ainda que seja algo complexo do ponto de vista legal.

 

Também disse que quando as universidades formarem os líderes do futuro e capacitarem os do presente o IES extinguir-se-á. Essa extinção depende da criação de uma escola de negócios sociais?

O IES é uma associação sem fins lucrativos que tem uma missão. As missões nas organizações sociais são, em geral, pouco tangíveis. Mas essa tangibilidade aumenta à medida que o trabalho é feito. No dia em que percebermos que a formação dos líderes do futuro e a capacitação dos presentes está assegurada por uma entidade naturalmente habilitada para o fazer, ou seja, estruturas de ensino e universidades, e que o faz bem, a missão do IES estará cumprida. Actualmente isso não acontece. Quando acontecer ou deixamos de existir ou reinventamos a missão da associação.

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