Logo Sociedade Ponto Verde

E COM ELES NASCEU A SPV
E com eles nasceu a SPV
2011-09-01
E com eles nasceu a SPV

Os dois empresários que tiveram papel determinante na fundação da Sociedade Ponto Verde Marcel de Botton, o mentor do projecto e pioneiro da reciclagem em Portugal, e Manuel de Mello, o primeiro presidente – juntaram-se num almoço em Lisboa para recordar o percurso que levou à criação desta organização e os desafios da primeira década de actividade.

Início de Agosto, hall do Inspira Santa Marta Hotel, em Lisboa. Marcel de Botton, 85 anos, fundador e presidente da Logoplaste, e Manuel de Mello, 62 anos, presidente da Nutrinveste, aceitaram o convite da RECICLA para almoçar e, a poucos meses do 15.º aniversário da Sociedade Ponto Verde (SPV), recordarem o papel que desempenharam na fundação desta organização.

O comendador Marcel de Botton chega antes do previsto. Detém-se alguns momentos a apreciar a arquitectura e decoração do espaço. Em seguida aproveita o tempo para contar o percurso que iniciou em 1985 e que, mais de uma década depois, o conduziu à fundação da SPV. O presidente da Nutrinveste chega à hora marcada. Marcel de Botton saúda-o e diz: “Estava aqui explicar como nasceu a ideia da SPV”. Manuel de Mello responde prontamente: “Foi você que me chateou”. Estava dado o mote para uma conversa animada.

 

O PRINCÍPIO DA RECICLAGEM

O comendador “foi um dos pioneiros em Portugal da promoção da reciclagem”, referiu Carlos Baptista, professor da Universidade do Minho, aquando da atribuição do doutoramento honoris causa a Marcel de Botton, em 2011. A verdade é que o comendador revelou capacidade de estar à frente do seu tempo ao longo do seu percurso profissional, como em 1976, quando introduziu na Logoplaste o conceito de hole in the wall, que consistia em instalar as unidades de produção de embalagens ao lado das fábricas. Na altura, as preocupações do comendador foram de ordem económica, mas o conceito incorporava vantagens ecológicas, como a baixa pegada de carbono, que também contribuíram para a fidelização de clientes e crescimento da Logoplaste, que hoje está presente em 17 países. Foi esta empresa que, em 1985, promoveu a criação de um grupo de fabricantes de embalagens de plástico em Bruxelas, a PLASTEUROPAC (Associação Europeia de Fabricantes de Embalagens de Plástico), e que no mesmo ano fomentou a constituição da PLASTEUROPAC Portugal. “Esta organização preparou a transposição para a legislação portuguesa da directiva europeia que surgiu nesse ano, relativa a embalagens para líquidos alimentares”, recorda o comendador. “Assim, em 1989 desenvolvemos uma colaboração com a Direcção Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA) para transpor a directiva. Nesse ano o Conselho de Ministros estabeleceu o Programa Nacional Relativo às Embalagens para Líquidos Alimentares. Depois criámos o Grupo Intersectorial da Reciclagem (GIR), inicialmente orientado apenas para os plásticos, cujo objectivo era dinamizar circuitos de recolha selectiva e promover, investigar e desenvolver técnicas e processos de reciclagem dos resíduos de embalagens”, explica o comendador. Com a Logoplaste ao leme, o GIR iniciou actividade em Janeiro de 1990. “Em Dezembro assinámos um protocolo com a DGQA relativo à poupança de energia na produção de embalagens plásticas e no ano seguinte estabelecemos o primeiro acordo voluntário relativo à resolução do Conselho de Ministros, que incluía o objectivo de reciclar 400 toneladas de embalagens. É um número que hoje dá vontade de rir, mas foi um passo essencial para que, mais tarde, surgisse a SPV”, referiu o presidente da Logoplaste.

 

RODAS DE ENGRENAGEM

Já na presença de Manuel de Mello, Marcel de Botton enumera outros acontecimentos que precederam a constituição da SPV: “Em 1991 o GIR colocou o primeiro contentor para recolha selectiva de embalagens de plástico, em Espinho. No ano seguinte houve o alargamento a outros materiais (papel e metal) e a assinatura do segundo acordo voluntário. Em 1993 promovemos uma visita de estudo aos sistemas de recolha e centros de triagem de Barcelona e Dunquerque. Nesta viagem participaram pessoas que fariam parte da SPV, incluindo o actual presidente, o engenheiro Barahona”. Manuel de Mello, que liderou a organização durante os primeiros dez anos, acrescenta: “Ele assumiu o cargo a seguir a mim”.

Finalmente, em 1996, o GIR propôs à Centromarca (Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca colaborarem no projecto de uma entidade responsável pelo Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem (SIGRE): a futura SPV.

“Em Novembro realizou-se a escritura. Os accionistas foram a Embopar (Associação de Embaladores), a Dispar (Associação de Distribuidores), a Interfileiras (Associação das Fileiras de Material) e a Logoplaste, que registara o nome ‘Sociedade Ponto Verde’ nos anos 80”, partilha Marcel de Botton. E conclui: “Assim começa a saga da SPV. E começa com o Manuel de Mello, que desafiei para ser presidente”.

Um convite que o presidente da Nutrinveste quis recusar: “Mandei este senhor dar uma volta porque pensei que estava a brincar comigo. Não estava a par destes assuntos, que já eram correntes na Europa, mas depois percebi que tinham a ver com a minha actividade na Compal, Frize, Sovena, Triunfo e Nutricafés”. Assim, aceitou o convite que outros enjeitaram. “Antes do Manuel consultei outras pessoas que recusaram, por não sentirem necessidade e vontade de trabalhar para o conjunto. Esta actividade é uma acção solidária”, elogia o comendador.

 

O ARRANQUE

Manuel de Mello assumiu a presidência da organização na qualidade de embalador. “No início da SPV havia duas instituições com mais peso: os embaladores e as fileiras. Tanto eu como o Marcel sempre lutámos para que os interesses comuns ultrapassassem as naturais quezílias. As três fileiras tinham um objectivo comum, que era atingir as metas europeias de reciclagem – nestes 15 anos alcançámos as duas metas estabelecidas –, mas tinham interesses divergentes. Quem paga os custos desta organização são os embaladores, e a nós, embaladores, interessava-nos pagar o mínimo possível”, confessa o empresário.

“Não é pagar, é financiar”, provoca Marcel de Botton. Manuel de Mello, impávido, prossegue: “Durante muitos anos (até um ano antes de eu sair) conseguiu-se unir embaladores, fileiras e distribuidores. Depois a distribuição achou que tinha caminho próprio a percorrer e que não se revia nos esforços que fazíamos, e que continuam a ser feitos”. Marcel de Botton louva a actuação do ex-presidente da SPV: “Houve momentos em que surgiram atritos, mas o Manuel tinha muito jeito para conciliar os interesses dos vários grupos”. Manuel de Mello corrige: “Jeito e paciência. Sobretudo, paciência”. Segundo ele, a tarefa de pedir dinheiro aos embaladores para “financiar” a SPV requereu boa dose de persuasão: “O embalador tinha de perceber por que estava a pagar”.

Desde 1994 havia uma directiva europeia relativa a embalagens e resíduos de embalagens que Portugal tinha de transpor, e à qual todos os industriais de embalagens e embaladores tinham de se sujeitar. “A directiva 94/62/CE previa, que até 31 de Dezembro de 2008 fossem atingidas as seguintes metas de reciclagem para os materiais contidos nos resíduos de embalagens: 60% para o vidro, papel e cartão; 50% para os metais; 22,5% para os plásticos; e 15% para a madeira”, informa o comendador.

Mas também havia boas notícias. “Há 20 anos as embalagens dependiam do marketing e pouco mais. Depois surgiram embalagens mais leves e o embalador pôde escolher aquelas que, para além do marketing e do serviço ao cliente, fosse mais baratas em termos ecológicos e mais fáceis de reciclar”, conta Manuel de Mello, lembrando que os embaladores pagavam, e pagam, à SPV por quilo de embalagem colocado no mercado. Portanto, tinham vantagem em produzir embalagens mais leves. “Há duas décadas uma garrafa de litro de óleo pesava 32 gramas e agora, fabricada com o mesmo material, pesa apenas 19 gramas”, constata.

 

A PRIMEIRA RECOLHA

Para implementar medidas que cumprissem a directiva europeia era necessário adaptar o sistema de reciclagem à realidade portuguesa. A primeira experiência de recolha selectiva de embalagens decorreu em 1994 na freguesia de Queijas, em Oeiras. “Um grupo de estudantes voluntários visitou 2.000 moradores de Queijas e verificou que havia lares em que era difícil separar as embalagens, porque não havia espaço nas cozinhas para colocar três sacos”, reconta Marcel de Botton. E acrescenta: “Ainda hoje, mesmo em casas modernas, há falta de espaço.

Ontem, como hoje, o sucesso do SIGRE passa pela adesão dos cidadãos. Para tal, é fundamental apostar na sensibilização. “Se dizíamos às pessoas unicamente para separem, elas não o faziam. Era preciso explicar porquê. Elas tinham de perceber que, em vez de as embalagens irem para aterro, todos ganharíamos se fossem recicladas e transformadas em novos produtos. Ainda hoje a luta da SPV é passar esta mensagem”, afirma Marcel de Botton. “Por isso gastou-se, e gasta-se, milhões de euros em comunicação”, complementa Manuel de Mello. “Se abrandamos a comunicação há quem deixe de interiorizar a necessidade de reciclar. Há pessoas que não consigo sensibilizar. Mesmo lá em casa. A minha mulher não recicla”, lamenta o presidente da Nutrinveste.

Apesar deste insucesso doméstico, Manuel de Mello faz um balanço muito positivo do tempo em que esteve à frente da SPV, e confessa que até ficou surpreendido com a adesão à reciclagem em Portugal: “Superou as minhas expectativas. Começámos com nada e hoje reciclam-se mais de 250 mil toneladas”. Sobre esse começo, recorda uma reunião com José Sócrates, então secretário de Estado Adjunto do ministro do Ambiente. “Informámo-lo de que tínhamos reciclado 1,5 mil toneladas. Ele ia-nos matando. Ameaçou tirar-nos a licença. Mas no ano seguinte aumentámos para 20 ou 25 mil toneladas”.

Marcel de Botton salienta que actualmente cumprem-se todas as metas estabelecidas por Bruxelas, excepto para a reciclagem do vidro.

 

A “GUERRA DO HORECA”

Em 1998 a SPV viu-se confrontada com a intenção do ministério do Ambiente de obrigar o canal Horeca (sector que engloba hotéis, restaurantes e cafés) a utilizar embalagens retornáveis. “O responsável da água do Luso no conselho de administração da SPV era contra a embalagem retornável porque exigia muita água para a lavagem (5 litros de água do Luso para lavar uma garrafa de um litro). Além de não terem essa quantidade de água, a limpeza tinha de ser feita no mesmo local onde as garrafas eram embaladas, o que implicava mais custos de transporte”, salienta Manuel de Mello.

“Depois de muita conversa com o secretário de Estado do Ambiente, a legislação não foi para a frente, mas interiorizámos que não era indiferente o tipo de embalagem onde colocávamos os nossos produtos”, revela Manuel de Mello.

 

UM PASSO À FRENTE

Segundo a legislação, a responsabilidade pela gestão e destino final dos resíduos de embalagens cabe a quem coloca embalagens no mercado. Contudo, essa responsabilidade pode ser delegada. Se é verdade que, em teoria, outros poderiam assumir esta responsabilidade, a história da SPV mostra que poucos além Marcel de Botton e Manuel de Mello teriam condições para o fazer.

Entre ambos, fruto de uma visão partilhada e sensação de dever cumprido, nasceu uma relação de “camaradagem e respeito mútuo”, partilha Marcel de Botton. E reconhece: “Tivemos o mérito de ser pró-activos, e não reactivos. Acompanhámos o processo administrativo da transposição da directiva, os decretos, etc. Não há dúvida que a SPV tornou-se mais eficiente. E, actualmente, tem um director-geral que também é bastante competente”.

Quanto a desafios futuros, Manuel de Mello é taxativo: “Fazer mais e melhor”.

DESCUBRA AINDA