Logo Sociedade Ponto Verde

RECICLARTE
RECICLARTE
2010-08-01
RECICLARTE

Com o conceito de eco design nascem obras de arte e uma nova geração de objectos que dão segunda vida a materiais já sem utilidade. 
São cada vez mais valorizados por uma consciência global que transforma lixo em matéria-prima.

 

Em Portugal cada pessoa produz cerca de 1,2 quilos de resíduos urbanos por dia. Cerca de 4,5 milhões de toneladas/ano de resíduos urbanos que todos os dias deitamos fora.

Uma montanha de detritos que será em parte enterrada, incinerada, ou reciclada. Mas há quem, com estilo, a reutilize. Podemos mesmo dizer: do lixo ao luxo. Disto são exemplos os criadores que conhecemos nesta reportagem. Mentes criativas que dão nova dimensão a materiais que, de outra forma, estariam condenados aos aterros.

Felizmente para o ambiente, peças nascidas de materiais abandonados começam a ser vistas sob a luz do design e de inovação. Um novo conceito de moda, de consciência ambiental, que o planeta agradece. João Parrinha é um destes artistas que oferece uma segunda vida aos materiais. No seu ateliê em Calhandriz, concelho de Vila Franca de Xira, uma carapaça gigante de metal, e partes de aparelhos, ferro, tubos e máquinas, transformam-se em arte. “É tudo questão de imaginação. Depende da criatividade. Vou a ferros-velhos para recolher objectos fabulosos que as pessoas deitam fora. Tudo é utilizável. Sempre achei que se devia dar uma segunda oportunidade às coisas”, defende.

Nas criações artísticas que po-voam a sua casa descobrimos um mosquito gigante nascido de uma bomba de água, bancos feitos de tubo, candeeiros construídos de partes de motores ou aranhas de ferro. Obras de arte e peças de mobiliário feitas de materiais que ninguém quer, e que já foram expostas pela Europa.

 

Eco-diversão

No universo da reciclagem brilha também a Oficina ReCriativa, do artista plástico José Victor. Toda a sua criação tem por base a reutilização de peças, objectos, um sem número de materiais que do lixo renascem para uma nova vida. “A filosofia é muito intensa. Não é fazer por fazer”, diz José Victor. “As pessoas constroem, utilizam e deitam fora. Pois eu ia buscar esses objectos e fazia com que as pessoas comprassem o que antes tinham deitado fora”.

Oficina ReCriativa, no Seixal, é um grito à imaginação, onde de pacotes de leite nascem vacas, galinhas e porcos, de embalagens de sumo surgem carros de corrida, molas de roupa e colheres e plástico transformam-se em bonecas. José Victor chama-lhes “ecobrinquedos”. Uma das últimas novidades é um kit de montagem de um carro telecomandado movido a energia solar.

Com este conceito José Victor organiza workshops pelo país, em nome da ecoconsciência. “Fazer brinquedos com plásticos, colheres, molas e tampas é uma maneira interessante de fazer as pessoas pensar sobre os objectos. Através da sensibilidade artística caminha-se para uma menor pegada ecológica”.

Além dos brinquedos, a Oficina ReCriativa inventa “ecocoisas”. Objectos funcionais criados a partir de “coisas” que normalmente se vê como simples detritos. Exemplo? Um porta-lápis que nasce de duas metades de garrafas de plástico e elásticos. Ou uma caixa de arrumação feita com caixas de iogurtes, molas de roupa e fundos de garrafa. O sucesso já vai longe, com a exportação de “ecocoisas” para a Alemanha. Numa das viagens a Colónia, José Victor, em parceria com os “Clinic Clowns”, versão alemã da Operação Nariz Vermelho, levou as suas criações a crianças hospitalizadas.

Tudo isto é parte de um movimento mundial. Nos anos 70 surgiu a preocupação com o impacto da produção industrial no ambiente. Nas duas décadas seguintes essas preocupações estenderam-se ao design, e daí nasceram empresas como a portuguesa SUSdesign, que faz criações eco-eficientes e se especializou no design para a sustentabilidade. “A noção de ciclo de vida é a base do desenvolvimento sustentável de um produto, e um princípio fundamental para esta abordagem: a eco-eficiência. Não se pode pensar só na reciclagem, mas em minimizar ao máximo o impacto ambiental em todas as fases do ciclo de vida”, frisa Ana Mestre, directora de design da SUSdesign e docente no IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing), em Lisboa.

Um dos grandes projectos da SUSdesign chama-se “Design Cork for future, innovation and sustainability”. Consiste em repensar a cortiça e formas de reutilizá-la. Sob a marca Corque e o conceito “Designing Living Objects”, a empresa lançou produtos de mobiliário e acessórios construídos neste material tão característico do país e, acima de tudo, eco-eficiente. Porquê a cortiça? “A cortiça é um material espectacular. O processo de extracção não tem impacto nem gastos energéticos, é gerador de emprego, é um recurso renovável, e a transformação tem impactos muito reduzidos e baixo consumo energético. É um material sem desperdício, fácil de reciclar e possível de transformar”, explica Ana Mestre.

 

Refeito em Portugal

O projecto Remade in Portugal é outro exemplo da alta criação com consciência ambiental. O conceito nasceu em Itália, em 2004, para incentivar as empresas ao desenvolvimento de produtos feitos com material reciclado. A internacionalização veio naturalmente com o convite endereçado a Portugal, Espanha, França, Argentina, Brasil e Chile para integrar a rede Remade in the World.

Roberto Cremascoli, arquitecto italiano residente em Portugal, foi convidado em 2006 para ser comissário do Remade in Portugal, depois de em Itália vencer um concurso internacional de arquitectura. Em parceria com a Agência Portuguesa do Ambiente, Sociedade Ponto Verde e ate-liês de arquitectura, lançaram o conceito por cá. O objectivo inicial foi juntar designers e empresas portuguesas para desenvolver produtos com 50% de material reciclado, para apresentar no Salão Internacional do Design de 2007 em Milão.

A filosofia? Provar que a reutilização e reciclagem podem dar origem a objectos bonitos, aliando o design à qualidade de produção e a matérias-primas de segunda natureza.

A exposição Remade, que em Portugal já foi visitada por mais de 300 mil pessoas, é composta por peças de criadores como Siza Vieira, Ana Salazar, Nuno Gama, Pedro Sottomayor, Souto Moura, entre outros.

É uma realidade que as empresas estão cada vez mais ecoconscientes. É visível em todas as áreas. A Caixa Geral de Depósitos lançou um concurso para estudantes do ensino superior dos cursos de Arquitectura, Design e Design de Equipamento, para a concepção e criação de peças de mobiliário de interior com materiais provenientes das fileiras de reciclagem. Outro exemplo é a Sigg, marca Suíça de garrafas de água eco conscientes. No mundo, descarta-se anualmente – atenção ao número – 60 mil milhões de toneladas de resíduos plásticos. Esta empresa resolveu inverter a tendência e fabricar garrafas de alumínio reutilizáveis e facilmente recicláveis. Além de ecológicas, são peças de arte, desenhadas por designers de todo o mundo.

E por que não? A RECICLA Deixa-lhe o desafio. Antes de se livrar de algum objecto que já não quer, pense por alguns minutos que outra utilização lhe pode dar. Quem sabe não se surpreende. Obter resultados requintados depende de muita pesquisa, dedicação e, sobretudo, criatividade. Mas o desafio do design sustentável foi sempre tornar atraente um produto novo que pode causar estranheza. A moda ajuda: surge a consciência de que consumir produtos ambientalmente correctos é vital para gerar um planeta saudável.

DESCUBRA AINDA