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EM DEFESA DO AMBIENTE
Em defesa do ambiente
2015-09-10
Em defesa do ambiente

Sustentabilidade

 

Milene Matos, Ana Ferreira e Margarida Alvim. Três portuguesas, três investigadoras empenhadas em contribuir para a preservação do planeta, três galardoadas com um Prémio Terre de Femmes, iniciativa da Fundação Yves Rocher que distingue mulheres que se dedicam a defender o ambiente. 

Da preservação da biodiversidade da Mata do Buçaco à conservação das tartarugas do Paul de Tornada, passando por Ourém, onde se promove uma forma de viver em comunhão com a Natureza, estes são três projetos que vale mesmo a pena conhecer.

 

 

MILENE MATOS

- 1º Prémio e Vencedora do Prémio Atribuído pelo Público

- 32 anos

- Bióloga

- Projeto | Biodiversidade para Todos

- Onde | Mata do Buçaco

- Mais de 150 espécies de vertebrados identificados, 200 mil visitantes por ano e cerca de mil participantes nas atividades propostas

 

 

O que representa ser a grande vencedora do Prémio Internacional Terre de Femmes 2015 e ainda receber o prémio atribuído pelo público? 

Representa uma satisfação enorme e uma grande honra. Fico naturalmente feliz por estes 12 anos de trabalho terem sido reconhecidos. Depois, traz também o peso da acrescida responsabilidade, pois uma coisa é trabalhar “por nossa conta”, outra será trabalhar com um financiamento e com o apoio dos milhares de pessoas que votaram. Vou continuar a dar o meu melhor, de forma a dignificar toda a confiança que em mim foi depositada.

 

A Milene afirmou que o prémio financeiro era importante para investir no projeto, mas que, muito provavelmente, a grande vantagem seria a divulgação. Em que consiste o projeto Biodiversidade para Todos? 

Já desde a licenciatura que me sentia motivada para comunicar ciência, em particular a importância da preservação dos valores naturais. Durante o doutoramento pude comprovar cientificamente a relevância que a Região Centro do país apresenta em termos de conservação. No entanto, os portugueses não reconhecem essa importância ao seu território, identificando mais facilmente altos valores de conservação localizados fora de Portugal, ou mesmo da Europa, como a floresta amazónica, por exemplo. Assim, decidi enveredar por um pós-doutoramento em Comunicação de Ciência, de forma a contribuir para o fomento da cultura científica em Portugal, principalmente no âmbito da preservação e respeito dos valores naturais. Foi neste contexto que criei o serviço educativo da Mata do Buçaco. No entanto, o trabalho educativo na Mata foi evoluindo e ganhando outros contornos, nomeadamente na área social, sendo agora objetivo replicar essas ações noutros locais, sempre com base na ciência e na educação. Portanto, o projeto Biodiversidade para Todos surge como uma ação de sustentabilidade plena: ambiental, social e económica.

 

O que poderemos esperar deste projeto a médio prazo? 

Respeitando o tempo que leva a estabelecer uma estratégia e parcerias, poderemos esperar um fundo escolar que faculte oportunidades educativas a jovens carenciados, um maior envolvimento da sociedade civil em ações ambientais, que diretamente tentarei cativar e apoiar, e ações de valorização da Mata Nacional do Buçaco, como o início da construção do banco de sementes, e outros locais – sempre com vista à sustentabilidade futura.

 

Criar um projeto educativo para as diversas áreas da sustentabilidade nos seus três eixos – ambiental, social e económico – significa que a vertente pedagógica é fundamental para que se consigam alertar consciências? 

A pedagogia é uma ferramenta da educação. E, no meu entender, a educação é a “arma” mais poderosa que temos para fazer frente a qualquer adversidade, seja do foro humano, social ou tecnológico. A minha ideia é dar o meu pequeno contributo para que a educação possa chegar a todos.

 

De onde vem esta sua ligação à Natureza? É verdade que em pequena, no Luxemburgo, até com escorpiões brincava? 

É verdade! Nasci e cresci no Luxemburgo e as minhas memórias felizes mais antigas são de mim e dos meus irmãos a brincarmos nos cercados das vacas, na lama e mesmo no quintal lá de casa. Queria saber e ver tudo, mexer, correr atrás dos animais. Tentei inventar umas armadilhas para pássaros, sempre mal sucedidas, porque queria tanto vê-los de perto!

 

O facto de as atuais gerações estarem menos em contacto com a Natureza, trocando muitas das brincadeiras de rua por tecnologia, pode dificultar essa ligação à Natureza? Ou, por outro lado, permite utilizar essas novas tecnologias para lhes dar a conhecer ainda mais o meio ambiente? 

As duas opções são corretas. Dependerá do apelo intrínseco de cada jovem, mas muito também dos estímulos que recebem para procurar ou viver a Natureza. A tecnologia não é o inimigo. Embora pareça paradoxal, de facto até permite partilha de informação e uma participação ativa e direta mais eficaz muitas vezes! Mas ir ao terreno sentir e “mexer fisicamente” é ainda o melhor estímulo que se pode dar a alguém, permitir-se simplesmente parar e sentir o mundo vivo – e se os jovens estiverem inertes no mundo da tecnologia, todas essas emoções possíveis com um simples passeio no bosque (que pode operar verdadeiros milagres) passarão ao lado.

 

 

 

ANA FERREIRA

- 2º Prémio

- 27 anos

- Bióloga

- Projeto | Ecologia e Conservação de Tartarugas de Água Doce

- Onde | Paul de Tornada

- Espécies monitorizadas no Paul: cágado-de-carapaça-estriada e cágado-mediterrânico

- 200 mil visitantes por ano e cerca de mil participantes nas atividades propostas 

- Em 2007 foram detetados 82 cágados-mediterrânicos

 

 

Ser distinguida com um Prémio Internacional Terre des Femmes era algo com que sonhava quando decidiu ser bióloga? 

Não. Aliás, apenas tive conhecimento da existência deste prémio aquando da candidatura que fiz no ano passado. No entanto, a atribuição do prémio permite-me fazer aquilo com que sonhava quando decidi ser bióloga: contribuir para a preservação das espécies e dos seus habitats naturais. É uma grande honra ser distinguida como uma das muitas mulheres que em Portugal e no mundo lutam pela conservação da Natureza, dedicando os seus tempos livres a esta causa nobre de forma voluntária. Para mim, este prémio representa o reconhecimento pela dedicação e o trabalho que tenho vindo a realizar. 

 

Como surgiu esse gosto pela Natureza? 

Penso que o meio em que cresci foi realmente importante para aquilo em que me tornei. O respeito pelos animais e pela Natureza foram sempre valores muito importantes para mim e que sempre tentei passar para os que me estão mais próximos. Este gosto condicionou todas as escolhas que fiz não só em termos de formação, como em termos profissionais e mesmo pessoais, na medida em que dedico parte do meu tempo a fazer voluntariado na Associação de Defesa do Paul de Tornada (PATO). E a realidade é que ao longo deste tempo o gosto tem vindo a ser cada vez maior, assim como a vontade de fazer cada vez mais pela preservação da Natureza.

 

E como surge a ideia do projeto Ecologia e Conservação das Tartarugas de Água Doce do Paul de Tornada? 

A ideia veio de trabalhos de monitorização dos cágados em que participei (em 2007) ou coordenei (em 2014) no Paul de Tornada, através da Associação PATO. Quando vi o formulário de candidatura ao Prémio Yves Rocher Terre des Femmes, achei que se enquadrava perfeitamente e que era uma grande oportunidade, não só de continuar os trabalhos até agora realizados, como de melhorá-los através da realização de novas ações. O projeto Ecologia e Conservação das Tartarugas de Água Doce do Paul de Tornada visa o conhecimento e a proteção de duas espécies de tartarugas que coabitam em vários locais em Portugal, incluindo no Paul de Tornada: o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis L.) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa Schweigger, 1812). Estas espécies apresentam elevado interesse de conservação, não só devido à sua longa história evolutiva, como ao elevado número de ameaças que atualmente enfrentam e que colocam em causa a sua sobrevivência. Em particular o cágado-de-carapaça- -estriada apresenta um estatuto de conservação de “Em perigo” em Portugal, o que reflete a fragmentação das suas populações e a diminuição do número de indivíduos. O financiamento conseguido através do Prémio Yves Rocher Terre des Femmes permitirá a monitorização das populações de ambas as espécies de cágados, bem como a sensibilização da população local, através de ações de educação e sensibilização ambiental em relação a duas das principais ameaças que as populações de cágados enfrentam em Portugal: a captura dos cágados para animais de estimação e a libertação de tartarugas exóticas nos ecossistemas naturais.

 

A visibilidade que este prémio oferece ao projeto pode permitir desenvolver outras vertentes do mesmo? 

Sim, um dos resultados esperados com a divulgação que este prémio oferece ao projeto é a realização de mais trabalhos académicos e de investigação no Paul de Tornada por parte de alunos e investigadores. Isto é muito importante, porque nos permite conhecer melhor o Paul e assim geri-lo melhor. Para além disso, a divulgação junto do público em geral é igualmente importante. Muitas pessoas, mesmo da região das Caldas da Rainha, nunca vieram ao Paul.

 

Efetivamente, espaços como o Paul de Tornada continuam a ser desconhecidos para grande parte dos portugueses. Em sua opinião, o que pode e deve ser feito para contrariar essa situação? 

Eu penso que falta espaço nos meios de comunicação social para temáticas ambientais. Quando existe, a divulgação é feita de formas pouco eficazes, por exemplo os formatos são pouco atrativos ou os programas não passam nos horários nobres. Deveria, por isso, trabalhar-se mais na divulgação ambiental ao nível da comunicação social.

 

Como se reeduca o hábito de adquirir animais e, quando crescem, largá-los na Natureza? Que implicações pode ter um gesto desse tipo? 

Eu penso que esse hábito só muda promovendo a compreensão das consequências que a libertação de tartarugas exóticas tem na Natureza, aliado a uma forte regulamentação e fiscalização. A libertação de tartarugas exóticas nos meios naturais pode levar à diminuição abrupta das populações de espécies de cágados autóctones, mas também de outras espécies, levando à diminuição da biodiversidade e consequente disrupção do funcionamento do ecossistema.

 

O reforçar dessa vertente pedagógica é um dos principais objetivos para os próximos tempos? 

Sim. Estamos, para isso, a desenvolver um folheto no qual explicamos quais os problemas de libertar uma tartaruga exótica nos sistemas aquáticos naturais e porque não podemos levar para casa os cágados que estão nos seus habitats naturais. Vamos distribuir os panfletos pela população local e em sítios estratégicos, como lojas de animais. Prevemos ainda este mês começar com as amostragens dos cágados no Paul. Vamos contar para isso com a ajuda do biólogo Dr. Pedro Segurado, consultor do projeto, cuja colaboração melhorará em grande parte o trabalho que já vínhamos a realizar.

 

 

 

MARGARIDA ALVIM

- 3º Prémio

- 30 anos

- Engenheira florestal

- Projeto | Educar para a Ecologia Humana

- Onde | Casa Velha - Ecologia e Espiritualidade (Ourém)

- Cerca de mil visitantes por ano 

- Encontros com visitantes do Líbano, Irlanda ou Espanha 

- Atividades diferentes nas quatro estações do ano

 

 

Ser distinguida com um Prémio Terre de Femmes representa… 

Representa uma grande alegria e responsabilidade. Para além da oportunidade que representou de refletir, sistematizar e transmitir de uma forma pública as experiências e projetos em que estamos empenhados, foi a possibilidade de perceber como este projeto faz sentido para a sociedade.

 

Educar para a Ecologia Humana é o nome do projeto que lhe valeu a distinção. Em que consiste e o que é, afinal, a ecologia humana? 

O Programa Educar para a Ecologia Humana pretende desenvolver um conjunto de atividades que procuram responder a alguns desafios da nossa sociedade a nível geral, como seja o abandono das áreas rurais decorrente da falta de ligação à terra, da falta de valorização dos recursos naturais como bens universais. A um outro nível, a falta de estilos de vida mais sustentáveis é uma consequência de estilos de vida individualistas e competitivos, que evidenciam a falta de tempo para as relações humanas, valorizando os bens em detrimento dos valores. Este contexto reforça as dificuldades em lidar com o fracasso e os resultados a médio e longo prazo, evidenciando abordagens epidémicas em relação ao meio ambiente e às relações sociais (recicla-se mas não se reduz e não se reutiliza; reduz-se mas não se partilha com o vizinho), com pouco sentido de responsabilidade com as gerações futuras.

 

A Margarida é uma das pessoas responsáveis pela Associação Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade. Como apresentaria a Associação a quem ainda não a conhece? 

A partir de uma casa velha de família, numa quinta em declínio, numa zona rural marcada pelo abandono, nasceu um lugar que atrai desde 2009 mais de mil pessoas por ano em mais de 30 atividades. Pessoas à descoberta de si, dos outros, de Deus, que se encontram na experiência de uma vida simples e partilhada, no contacto com a Natureza, na oração, no trabalho rural. Para dar mais e melhores respostas a este desafio, a Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade constituiu-se, em 2012, como associação sem fins lucrativos de identidade católica, assumindo coletivamente o compromisso com a ecologia e o desenvolvimento local. Para além do albergue (com 27 camas), que foi surgindo com a transformação de um antigo palheiro, ficaram disponíveis, desde o início de 2015, nove quartos duplos de uma unidade de agroturismo, com espaços comuns que permitem reuniões. A transformação da Casa Velha tem envolvido, inspirado e transformado muitos dos que por cá passam, mostrando como é de facto possível transformar o mundo numa casa com lugar para todos. Este crescimento lento, com poucos recursos e a participação de muitos, é uma imagem inspiradora do que deve ser desenvolvimento sustentável, que é inclusivo e criativo.

 

E como se passa à prática essa relação entre o ecológico e o espiritual? 

Ecologia e espiritualidade é o eixo transversal que vemos como marca de tudo o que vai acontecendo: o cuidar da Casa passa, em primeiro lugar, por esta reciclagem interior, pelo cuidar das relações connosco próprios, com os outros, com Deus (ou com algo que nos transcende – todos temos esta dimensão espiritual e a consciência do transcendente). A espiritualidade é este sair de si para promover o bem, ao qual podemos chamar bem comum. É esta consciência do nosso limite, de como somos interdependentes, de como fazemos parte de um todo maior, de como a Natureza que integramos nos ensina e equilibra e de como somos chamados a cuidar desta casa comum que nos sustenta com tanta generosidade. Esta missão concretiza-se em diferentes atividades, nomeadamente educativas, com escolas e grupos/movimentos de jovens com os quais vamos pondo os pés na terra e aprendendo ritmos e estilos de vida mais sustentáveis e conscientes. A oficina “Os 5 Rs como atitudes transversais de vida”, por exemplo, convida a “Repensar, Reduzir, Recusar, Reutilizar e Reciclar”, enquanto as oficinas de Horta incluem jogos e percursos pela quinta, interpretação de flora e fauna, contacto com produtores e decisores locais. A nossa missão visa ainda o desenvolvimento local pela promoção de redes locais de produção sustentável e a formação humana e espiritual, com retiros de silêncio, serviço e voluntariado ao ritmo das estações.

 

Como é que uma engenheira florestal ganha gosto por esse lado menos científico? 

Depois de dez anos a trabalhar na área florestal, surgiu o desafio e a vontade de trabalhar com organizações da sociedade civil na área da educação e cooperação para o desenvolvimento. A partir de 2008, a minha formação técnica foi-se alargando com um grande período de desenvolvimento pessoal, inspirado no trabalho focado no desenvolvimento das pessoas e comunidades a nível local e global. A minha formação florestal tornou- -se bem mais enraizada e integrada, crescendo em mim a consciência do valor da participação, da educação. Das florestas fui parar ao desenvolvimento sustentável e a uma maior compreensão da sua complexidade. Hoje em dia, vejo como a minha formação de base se enxertou numa missão maior: a de religar os jovens à terra e à participação na construção da sua comunidade; a de acompanhar a comunidade local em processos de desenvolvimento participativos e construídos a partir da realidade, influenciando políticas públicas; a de sensibilizar e alertar para os desequilíbrios e desigualdades entre áreas rurais e urbanas, periferias e centro, quer a nível local quer global; a ajudar a encontrar caminhos alternativos que inspirem políticas mais justas.

 

Esta outra forma de fomentar a ligação e o respeito pela Natureza pode ser uma vertente a explorar na tentativa de alertar consciências para a necessidade de preservar o planeta? 

Sem dúvida que sim! Prova disso é o empenho que o Papa Francisco tem demonstrado pelas questões ambientais, ao ponto de a sua primeira encíclica, que deverá ser lançada em junho ou julho próximos, ser dedicada à ecologia. Acredito profundamente que na medida em que formos mais conscientes da nossa identidade e missão neste mundo mais o planeta será uma casa com lugar para todos.

 

O que mudou depois deste prémio? 

Este prémio veio credibilizar o trabalho que temos vindo a desenvolver nos últimos anos, bem como abrir o diálogo com atores com quem até agora não tínhamos relação, e isso é muito bom! Para além disso, com o prémio vamos conseguir dar mais um passo neste projeto, concretamente melhorar um espaço que tem servido de cozinha para os grupos que acolhemos e que necessita urgentemente de recuperação. 

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