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COR PARA TODOS
Cor para todos
0203-03-14
Cor para todos

Como o designer Miguel Neiva criou o ColorAdd, uma ideia que está a mudar o mundo dos daltónicos, fazendo deste trabalho o combate de uma vida.

 

A militância empreendedora de Miguel Neiva dura há quase uma década, quando começou a desenvolver o ColorAdd, um código de cores universal para daltónicos que está a ser adoptado em empresas, hospitais ou transportes públicos um pouco por todo o mundo. Mestre em Design e Marketing pela Universidade do Minho, onde também é professor, ele é uma das mais cintilantes estrelas do firmamento solidário português.

Depois de o ColorAdd ter sido reconhecido pela comunidade científica internacional, premiado em vários países, eleito pela conceituada Revista Galileu como uma das 40 ideias que vão melhorar o mundo, Miguel Neiva viu ser-lhe atribuída pela Assembleia da República, no passado mês de Dezembro, a medalha de ouro comemorativa do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Este prémio reconhece o mérito de entidades ou trabalhos que contribuam para a divulgação ou respeito dos direitos humanos. “Foi um prémio tão motivador como inesperado”, diz Miguel Neiva a sorrir. A gratidão e o orgulho dilatam-lhe o sorriso. “Os paradigmas estão a mudar. Todos podemos e devemos fazer a nossa parte para resolver pequenos problemas. Sou um privilegiado por estar a viver esta época de crise. Hoje não precisamos apenas de pensar fora da caixa. Temos de fazer fora da caixa”.

De facto, o destino é uma espécie de relacionamento – um jogo entre a graça divina e a perseverança pessoal. Metade escapa ao nosso controlo, mas a outra metade está inteiramente nas nossas mãos. Foi com esta certeza que Miguel Neiva atirou a inércia às urtigas e criou o ColorAdd, despertando o interesse internacional pela ajuda que dá às pessoas portadoras desta deficiência. “O ColorAdd é um código gráfico monocromático, sustentado em conceitos universais de interpretação e desdobramento de cores, que permite aos daltónicos identificá-las correctamente”, explica Miguel Neiva. “O conceito apoia-se nas cores primárias como ponto de partida (Cyan, Magenta e Amarelo) e no seu consequente desdobramento para cores secundárias. Às três formas que representam as três cores primárias, foram acrescentadas mais duas que de forma simples, representam o preto e o branco”, acrescenta entusiasmado. Nos rebordos da sua voz nota-se esperança genuína. Afinal, o que seria da vida se não tivéssemos coragem de tentar coisa alguma? Miguel Neiva responde com a sua luta diária contra a indiferença e fala com aquela lucidez firme e taxativa das pessoas que se livraram da hipocrisia.

 

Minorar dificuldades

Qual a vantagem do código? “O daltónico olha para um dado objecto, uma peça de roupa ou um sinal de trânsito, por exemplo, e através dos símbolos nele colocados consegue distinguir as cores”, explica o designer. As consequências para a integração e autonomia do daltónico são visíveis. “Os primeiros sintomas de daltonismo são detectados na idade escolar, com graves problemas para as crianças, e mais tarde a pessoa daltónica vê serem-lhe interditas diversas profissões”. Exemplos? Pilotagem de aviões, navegação marítima, indústria gráfica, indústria química, geologia, arqueologia, actividades ligadas à área da informática ou sectores como o financeiro, decoração ou moda.

De facto, os números são impressionantes. Cerca de 10% da população mundial masculina (apenas 2% são mulheres) sofre de daltonismo, doença de origem genética e sem cura. São 350 milhões de seres humanos. Uma pessoa com visão normal é capaz de ver cerca de 30.000 cores. Já os daltónicos identificam apenas entre 500 e 800 cores. Miguel não tem dúvidas: a missão do seu projecto é trazer qualidade de vida e menor constrangimento a quem sofre da doença.

Apesar de não ser daltónico, ele conviveu de perto com o embaraço que o daltonismo pode trazer. Quando era criança, Neiva teve um colega de turma daltónico que constantemente usava meias de cores diferentes e era motivo de chacota entre os colegas. “Neste momento há uma vontade em Portugal de legislar sobre esta questão do daltonismo, fazendo da integração plena dos daltónicos uma recomendação de boas práticas”. Excelente notícia, tanto mais que a realidade se torna realmente grave quando se sabe, baseado em inúmeros estudos, que 90% da comunicação é feita através da cor. Foi por dados como este que Miguel Neiva dedicou os últimos oito anos a melhorar a vida de daltónicos, criando uma ferramenta universal e intuitiva aplicável a qualquer indústria e sector. Na verdade, o código está pronto para ser adaptado globalmente a todos os sectores que usem sistemas de identificação em que as cores são a base visual. Exemplos: saúde (comunicação visual de hospitais e nas pulseiras de identificação de pacientes), vestuário, transportes (as linhas de metro em todo o mundo são separadas por cores), educação (lápis de cor, jogos didácticos), desportos (equipamentos dos clubes), alimentação, entre outros.

 

Aplicação multiplica-se

Entre dezenas de exemplos já aplicados no terreno, o código de cores para daltónicos já se encontra em vigor na área da saúde como o Hospital São João, no Porto, ou dos Capuchos, em Lisboa; na rede de transportes Metro do Porto; e em diversos materiais e jogos didácticos, como as tintas Cin ou os lápis de cor Viarco. “O ColorAdd já está implementado em mais de 30 áreas”, informa Miguel Neiva. “A ideia é que seja aplicado de forma transversal, para que um daltónico possa realmente fazer a sua vida com independência. E sem que tenha de pagar um cêntimo para isso”. Para consegui-lo, e porque todo este projecto é um grande sorvedor de tempo e de recursos, Miguel Neiva criou um processo de licenciamento de uso do código de cores, low cost, para que o preço não seja um constrangimento. “Este projecto vende licenças de qualidade de vida”.

 

Expansão mundial

Depois da uma primeira incursão na área do desporto, com a utilização do código nos jogos da CPLP pelo Instituto do Desporto de Portugal e pela secretaria de Estado do Desporto e Juventude, a médio prazo a aposta é nos Jogos Olímpicos 2016, no Rio de Janeiro. Miguel Neiva considera relevante a adopção do seu código de cores para daltónicos numa competição onde participam mais de 200 países, cada um com as suas cores. “Indiscutivelmente a cor será ali um factor de comunicação, não só a nível das credenciais dos atletas, jornalistas, VIP ou imprensa, como da distribuição dos jogos por áreas temáticas e modalidades, organização dentro do recinto desportivo, cor das bancadas, orgânica dentro da aldeia olímpica e parques de estacionamento”. Se conseguir, o ColorAdd estará a colocar Portugal no mapa, com uma incrível pegada social.

A capacidade de luta pode revelar o carácter de alguém. E os sucessivos combates de Miguel Neiva revelam um cidadão incapaz de ficar quieto perante os desafios. Ao longo dos oito anos em que trabalha o ColorAdd, conseguiu inúmeras vitórias, todas saídas da sua irrepetível energia. Para 2013, Miguel Neiva já traçou algumas metas. O designer portuense pretende introduzir o ColorAdd em diversas marcas de roupa como o grupo Inditex (Zara), Benetton, Swatch ou Lego. “Os números são reveladores: 90% dos daltónicos precisa de ajuda para comprar roupa. Por isso a adopção do ColorAdd por estas marcas seria uma etapa importante na divulgação e impacto social do projecto”. Mas a expansão para a área do vestuário, calçado e têxtil começou ainda em 2012, com a inserção do ColorAdd nas etiquetas de marcas portuguesas como a Zippy ou Modalfa – a colecção Primavera-verão já vem com os códigos – e na marca de sapatos Dkode. “Com a Zippy fizemos um catálogo com 1.920 cores já referenciadas com o código, o que quer dizer que, amanhã, já estamos perfeitamente preparados para ir bater à porta de grupos como a Inditex ou a Benetton, que são daqueles passos que fazem todo o sentido”, afirmou. Além da adesão de vários países ao sistema, Miguel Neiva acabou de criar uma ONG, a ColorAdd Social, com a ambição de estar presente no mundo inteiro, trabalhando gratuitamente com escolas e bibliotecas inclusivas. Mas o primeiro passo é aplicar o projecto nas escolas nacionais. O objectivo é “ajudar a potenciar nas escolas o conhecimento e a aprendizagem não só do ponto de vista da comunicação da cor, mas também usar o projecto como uma ferramenta aumentativa para que os alunos do primeiro ciclo possam aprender melhor”. A proposta inclui a criação de uma equipa que realize testes de daltonismo gratuito nas escolas e ao mesmo tempo sensibilize a comunidade escolar para o problema. Sem dúvida é uma belíssima ideia, que prova que o design não está apenas ao serviço da estética, mas também ao serviço de ideias que solucionam, organizam e melhoram a vida das pessoas.

Miguel é um daqueles empreendedores que prefere sempre ver os bombeiros que salvam, os empresários que vencem, os Mandelas que resistem, os anónimos que fazem a diferença. É com exemplos como o dele que se reinicia a esperança de começar tudo de novo: de iniciar o que não teve início, de completar o que não foi completo…

Saiba mais: coloradd.net

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