Logo Sociedade Ponto Verde

RECICLAR ESCOVAS DE DENTES? SIM, É POSSÍVEL.
Reciclar escovas de dentes? Sim, é possível.
2013-08-20
Reciclar escovas de dentes? Sim, é possível.

De três em três meses é hora de mudar de escova de dentes. 
Onde colocar a antiga? No lixo? No ecoponto amarelo? Não. 
A resposta é dada por dois projectos portugueses que aliam sustentabilidade e saúde oral.

 

À pergunta como é que se lembrou de reciclar escovas de dentes, José Pedro Gomes, 25 anos, responde com outra interrogação: “Como é que nunca me lembrei disso antes?”. Afinal, há um quarto de século que cuida da sua saúde oral, tendo já trocado de escova inúmeras vezes. “Estava no último ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, ia trocar de escova e questionei-me: onde colocá-la? Em casa os meus pais adoptaram uma filosofia verde – e muito bem – e ficámos a pensar nisso”, recorda. Procurou em sites e blogs e concluiu que uma vez inutilizada a escova devia ser colocada no lixo comum, encaminhada para inceneração.

“Olhei para a escova, parecia-me toda de plástico, e pesquisei empresas para ‘tirar a limpo’ se as escovas de dentes podiam ou não ser recicladas”, recorda. Do outro lado perguntavam-lhe quantas toneladas tinha, mas mais do que números o então jovem finalista do curso de higiene oral tinha uma curiosidade genuína. A procura continuou até que chegou à Crokplastik – Reciclagem e Transformação de Resíduos, Lda, sedeada em Setúbal. “Foi a primeira que me disse: ‘Nunca ouvi falar em reciclagem de escovas de dentes, mas venha cá”. Com 50 escovas, reunidas entre familiares e amigos, José Pedro conversou com os responsáveis da empresa que, sem método para reaproveitar aqueles materiais, aceitaram o desafio de encontrar uma solução. Até porque, “depois de identificar os elementos constituintes da escova, a empresa disse-me que existia valor de mercado do resíduo”, lembra. Nascia assim o RED Projet, fruto da curiosidade de um jovem estudante universitário, determinado e com espírito empreendedor. “Tivemos o primeiro contacto em Outubro, depois eu estava em exames, só em Dezembro é que começámos a trabalhar. No início do ano chegámos à separação dos materiais e encaminhamento do resíduo, ou seja, para além da reciclagem conseguimos um produtor que fica com o material reciclado das escovas para fazer cestos, alguidares, caixas de arrumos, etc.”, congratula-se.

 

Pequenos recicladores

Noutra zona do país, em Massamá, Lídia Veludo, higienista oral à frente da EspecialDente – Clinica Médica e Dentária, também sentiu essa vontade: dar um final útil a um instrumento tão comum no dia-a-dia. “Implementei o projecto Ecoescovinha partindo do pressuposto que devia colocar as escovas de dentes no ecoponto amarelo. Achava que mal ou bem seriam encaminhadas para algum lado”, lembra. Até que telefonou para a Sociedade Ponto Verde e informaram-na de que no ecoponto amarelo coloca-se plástico, sim, mas de embalagens usadas e não de outros artigos. Mas “há imensas coisas no interior das embalagens que são de plástico e que têm de ter algum destino”, contrapôs Lídia, que procurou ajuda junto da ONG ambiental Quercus, actual parceira do projecto. Solução encontrada: Extruplás, empresa que cuida dos resíduos de embalagem de plásticos mistos, transformando-os em peças de mobiliário urbano após serem triturados e derretidos a altas temperaturas. A iniciativa Ecoescovinha foi implementada em Outubro do ano passado em ambiente escolar, nos mega-agrupamentos Stuart de Carvalhais, em Massamá, e Miguel Torga, em Queluz, integrando um projecto mais abrangente desenvolvido por Lídia Veludo: Miúdos Optimistas, Miúdos Saudáveis. Nesse âmbito, e em prol da higiene oral e da prevenção das doenças orais, realizaram 200 sessões de saúde oral, envolvendo cerca de 5.000 crianças e jovens. “Fez-nos sentido dar um destino às escovas, caso contrário iriam para a incineração ou aterro sanitário”, afirma a higienista. “Para promover o projecto propusemos às escolas um desafio: recolherem, no mínimo, 250 escovas usadas, e oferecíamos 50 kits de higiene oral novos para as crianças com mais necessidades”. Uma iniciativa de responsabilidade social da EspecialDente, que não concebe a vertente da sustentabilidade sem a componente pedagógica da saúde oral.

 

Escova a escova

As 50 escovas reunidas por José Pedro Gomes foram apenas o início. Volvidos dois meses e meio o RED Projet tinha enviado mais de 2.000 para reciclagem. Em Junho, o jovem higienista oral já não falava em números, mas em quilos, prova da adesão ao projecto: “Temos cerca de 26 quilos. Cada escova pesa cerca de 20 gramas”, aponta. Depois dos supermercados/hipermercados é nas farmácias que mais se vendem escovas de dentes. Como seria mais complicado colocar um ponto de recolha nos primeiros, José Pedro optou pelas segundas. De início, firmou um protocolo com a farmácia Borges da Cruz, no Montijo. Mas antes de lá colocar o escovão foi contactado por duas empresas de escovas de dentes interessadas numa parceria. “O farmacêutico aceitou fazer um protocolo em conjunto com a Pierre Fabre, que dinamizou uma campanha: ao deixar a escova antiga a pessoa tinha um euro de desconto na compra de uma nova. Em 12 dias a farmácia vendeu mais escovas do que nos dois anos anteriores. O farmacêutico disse-me: ‘Zé Pedro, faça o que quiser, mas este escovão já não sai daqui’” recorda. De uma farmácia a rede aumentará para 100 um pouco por todo o país, processo de expansão que começa em Setembro. Entretanto, não têm sido poucas as iniciativas realizadas pelo RED Projet, desde uma acção com 883 crianças de escolas do primeiro ciclo do concelho de Alcochete, em parceria com a Associação para a Inovação, Promoção e Desenvolvimento, à presença na Assembleia da República. Além disso, várias pessoas têm enviado por correio as suas escovas usadas. Também o EcoEscovinha tem planos de expansão. Depois dos dois mega-agrupamentos, de outras escolas públicas, colégios privados e IPSS, no próximo ano lectivo a iniciativa estender-se-á “paulatinamente a todas as escolas do concelho de Sintra, envolvendo cerca de 65.000 ‘miúdos’, além das famílias, educadores, professores e outros agentes educativos. Não fazemos só a entrega do Ecoescovão; tem de ser sempre acompanhado por acções de promoção de saúde oral. A componente pedagógica é fundamental”, sublinha Lídia Veludo. Princípio que se mantém noutros espaços que detenham, ou venham a deter, um Escoescovão: farmácias, universidades seniores, juntas de freguesias, clínicas... Depois da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa o EcoEscovinha chegará em breve a outras faculdades da capital. E candidatou-se ao concurso da Comissão Europeia “Um mundo que me agrada”, que distingue projectos inovadores no combate às alterações climáticas. Por seu lado, o mentor do RED Projet centra-se, para já, nas farmácias, não descurando a possibilidade de, mais tarde, alargar a rede a uma cadeia de hipermercados.

 

Nada se perde

Para que tudo se transforme, José Pedro Gomes não se limitou a procurar nova vida para as escovas de dentes. Outros utensílios orais – escovilhões, dedeiras, raspadores linguais, porta fios e palitos – também podem ser reciclados. Desde Maio que o escovão do RED Projet tem a configuração de um “smile”, com divisão separada para estes instrumentos, escovas de dentes e escovas de dentes eléctricas. As últimas são entregues à Amb3E, que gere os resíduos eléctricos e electrónicos. Até ao momento, apenas as cerdas das escovas de dentes aguardam por reaproveitamento. “Ainda não temos quem as consiga reutilizar”, lamenta o jovem que, para que não haja dúvidas, esclarece que a reciclagem de escovas de dentes não significa que uma antiga se transforme noutra nova.

“Ainda existe um desconhecimento muito grande, apesar dos esforços das entidades, sobre o que é que acontece depois da reciclagem”, diz José Pedro. O mesmo acontece em relação à saúde oral. Daí a importância destas acções, defende: ao aliarem estas duas vertentes, são uma oportunidade privilegiada para esclarecer dúvidas de reciclagem e de higiene oral. A mesma preocupação norteia as acções do Escoescovinha. Entre consultas na EspecialDente e as várias acções do programa Miúdos Optimistas, Miúdos Saudáveis – dinamizado apenas por três pessoas cheias de energia e vontade, sem fundos nem apoios – Lídia Veludo congratula-se com a adesão e o sucesso da iniciativa Ecoescovinha junto dos mais novos. Alguns são verdadeiros embaixadores do projecto. “Houve uma paciente nossa, aluna de 3.º ano, que apresentou o projecto à escola e à turma dela, e pediu aos colegas para levarem as escovas usadas. Numa feira solidária em Massamá na qual participámos, entregou-nos as escovas”, conta. “Não tenho dúvidas de que a cidadania somos nós. Temos de fazer alguma coisa. Porque não contribuirmos cada um da nossa forma?”, questiona. E já muitos contribuíram: o Ecoescovinha entregou 1.040 escovas (15 quilos) em Abril passado à Extruplás, e outro tanto no final do ano lectivo, com o projecto em vigor apenas em dois mega-agrupamentos. Na hora de separar os resíduos domésticos, há mais um ponto de entrega: escovão ou ecoescovão. Dois projectos, o mesmo objectivo.

 

De escova de dentes a…

As escovas recolhidas pelo RE D Projet são recicladas: os constituintes de plástico são separados na Crokplastik e depois valorizados, ao tornarem-se matéria-prima para a produção de artigos do dia-a-dia. “A reciclagem das escovas de dentes necessitou de ensaios antes de avançarmos com o processo mais adaptado à sua separação. De maneira a aproveitarmos a maior percentagem possível do produto, precisámos de fazer algumas alterações no nosso processo normal, mas serve, de futuro, para outras aplicações”, explica o director-geral da CrokPlastik, Carlos Carvalho. Alguidares, cestos, baldes e caixas de arrumos são fabricados com o material resultante da reciclagem das escovas de dentes. Para José Pedro Gomes, mentor do RE D Projet, era obrigatório que o produtor fosse nacional. Sem poder, para já, revelar o nome do parceiro, adianta que parte da produção é comercializada no mercado nacional e outra no mercado internacional. As escovas recolhidas pelo Ecoescovinha destinam-se à Extruplás, empresa que cuida dos resíduos de embalagem de plásticos mistos. Triturados e aquecidos a 200ºC, dão origem a soluções de mobiliário urbano resistente, práticas e confortáveis. “Mesas, bancos, cestos papeleiros, chapéus-de-sol, sinaléticas, espreguiçadeiras, etc”, aponta a directora-geral da empresa, Sandra Castro. As escovas de dentes não exigem um tratamento próprio, mas o “material é segregado e triturado separadamente dos outros fluxos para que seja adicionado em percentagens específicas na mistura já existente da Extruplás”, acrescenta a responsável pela empresa.

DESCUBRA AINDA