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ECONOMIA CIRCULAR: UM NEGÓCIO MUITO SÉRIO
Economia circular: um negócio muito sério
2017-01-30
Economia circular: um negócio muito sério

Ninguém diz que é fácil levar para uma empresa os princípios da economia circular. O atual modelo económico, baseado no grande consumo, leva a que se criem novas necessidades nos consumidores e muito rapidamente os produtos ficam fora de uso, com uma média de vida cada vez mais diminuta. E a publicidade não se cansa de ir alimentando esta urgência em ter o produto que acabou de sair para o mercado.

 

Mas há uma esperança na nova geração de empresários que está na forja. O sinal foi dado numa das muitas conferências que trouxe mais de 50 mil empresários, investidores, políticos e estudiosos ao Web Summit de Lisboa (7 a 10 novembro). Quando se discutiu “qual o lugar da ética e dos valores na tecnologia?”, houve quem defendesse que os empresários e os investigadores da área das novas tecnologias de hoje têm condições para deixar um mais generalizado e mais positivo impacto no mundo do que qualquer outra geração anterior. Saber tirar partido deste contexto é o grande desafio para quem se prepara para ter um negócio ou empresa. Aqui fica um pequeno guia de bordo para os tempos de alguma incerteza e para as possíveis tormentas com que se possa vir a deparar.

 


Visão de futuro

 
Em primeiro lugar, importa estar atento às oportunidades de mercado. Deve saber observar comportamentos e encontrar soluções inovadoras para o que sobra de uma indústria ou atividade: os desperdícios materiais. De seguida, com uma boa dose de criatividade, é necessário procurar dar ao que criou um novo uso, um novo valor de mercado. É nesta segunda vida do produto que reside a chave do sucesso do negócio. A economia circular não é uma obrigação ambiental, é antes um business case que exige uma forma de pensar “fora da caixa”. Deve questionar-se: qual o valor que o meu produto ou serviço acrescenta ao cliente? – e a partir daqui refletir como se deve desenvolver o modelo de trabalho para que no processo consigam ser sustentáveis e criar mais valor.

 

Milton de Sousa, professor-adjunto na Nova SBE, dá o exemplo da Apple, que afirma estar a preparar-se para mudar de um modelo de venda de iPhone para um de subscrição. Ou seja, o cliente tem direito a um vale para adquirir um telemóvel mais recente se devolver o antigo, encarregando-se a empresa de o reciclar e reintroduzir na cadeia de valor. “Se pensarmos, isto é uma lealdade do cliente à empresa que de outra forma não existiria; ele não vai comprar um telefone de outra marca – isto obriga as empresas a pensarem de forma diferente a relação com os clientes. Não é uma questão de sustentabilidade, é uma estratégia de negócio.”

 


O legado que se quer deixar

 

Se é para criar uma empresa de raiz, tudo tem de ser observado na gestão da utilização dos materiais: o mobiliário, por exemplo – de modo a garantir que não é de desgaste rápido ou mesmo feito de materiais que possam libertar substâncias tóxicas; passando pela conceção do produto –, que deve ser feito já a pensar no processo de reciclagem por que irá passar antes de entrar de novo na cadeia de mercado, na “segunda vida”. Na apresentação e venda do produto ou serviço, o empreendedor “deverá mostrar ao cliente que está a adquirir um produto que já teve outra vida; sublinhar este detalhe é uma maneira de afirmação perante a sociedade que se está também a contribuir para a sustentabilidade económica e ambiental do planeta”, regista João Vaz, consultor de engenharia e ambiente na Ecogestus.

 


Desafios do mercado nacional

 

Há ainda quem associe muito a reciclagem a um custo, “numa ótica muito moralista, provavelmente por causa de uma forte mensagem de responsabilidade social que foi difundida nos anos 90 e 2000”, afirma Milton de Sousa. A prova está na reação dos seus alunos quando nas aulas aborda esta temática: “Há uma certa perplexidade com a ideia de que a economia circular não é um custo, mas antes uma estratégia de negócio, não é um problema, é uma oportunidade. Há que encontrar soluções que exijam criatividade.” Este professor da Nova SBE viveu 12 anos na Holanda, onde trabalhou e fez doutoramento. Ali, pôde observar o conceito de cradle to cradle ser posto em prática: “O ir desde o início até ao fim de vida de um produto e a empresa ter uma responsabilidade na gestão desse ciclo de vida.” Quando se refere ao tecido empresarial português, não tem dúvidas: “Muitas vezes o fator de contexto serve como desculpa para não se fazerem coisas, não há motivo nenhum para que as empresas não possam assumir essa responsabilidade de forma ativa.”

 

João Vaz não está tão otimista. Para o consultor da Ecogestus, “é difícil introduzir os verdadeiros princípios da economia circular quando não há uma política fiscal que apoie as matérias-primas obtidas por reciclagem”. E concretiza: “Pagamos o mesmo IVA se recorrermos a boas ou más práticas ambientais, o papel reciclado e o papel virgem são disso exemplo.” Um desafio a superar.

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