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QUANDO EU ERA PEQUENINO
Quando eu era pequenino
2014-12-01
Quando eu era pequenino

Um tablet, uma consola, um telemóvel. Não andaremos longe da realidade, se dissermos que estas serão as prendas mais pedidas pelas crianças, neste Natal. E quando escrevemos crianças, falamos em idades que podem começar nos quatro anos, o que mostra bem como os tempos têm mudado. Claro que ainda há espaço para algumas bonecas da moda, carrinhos, bolas e livros, mas… e se falarmos em brinquedos de madeira ou de pano? Será que ainda alguém se lembra deles? Ora, contrariando todas as tendências, há quem aposte, precisamente, neste tipo de brinquedos com uma forte componente pedagógica e uma não menos forte preocupação com um termo muito em voga, sustentabilidade, fazendo com que o mesmo não seja empregado de forma gratuita.


Exemplo disso é a Carrossel, marca que nasceu de uma lacuna detectada por Inês Simões, Sofia Simões e Rui Pereira: a quase ausência de brinquedos tradicionais de madeira e, mais especificamente, desse tipo de brinquedos com uma abordagem mais contemporânea.O facto de serem brinquedos tradicionais é a mais-valia e o factor diferenciador do Carrossel, pois traz de volta os modelos tradicionais aos quais se tem acesso difícil nos centros urbanos”, afirma Inês. “Com as nossas cores e acabamentos, os pais compram brinquedos que apelam à nostalgia, que são igualmente objectos de decoração giríssimos e que puxam pela imaginação e fisicalidade dos miúdos, numa sociedade cada vez mais sedentária. Somos contra a obsolescência programada e o nosso objectivo último é ver um brinquedo Carrossel durar décadas nas casas dos nossos clientes!”.

 

Para atingir os objectivos a que se propuseram, trabalham com carpintarias portuguesas, às quais encomendam os brinquedos, ou a partir de um projecto de design próprio ou a partir da própria produção da carpintaria. A produção é em pequena escala e com claras preocupações de promover um futuro melhor para as próximas gerações. “Todos os nossos brinquedos são feitos em madeira maciça, pinho ou contraplacado marítimo”, explica Inês Simões. “As nossas tintas são vernizes não aquosos e a nossa produção é 100% nacional e em carpintaria de maquinofactura artesanal. Somos nós quem os finaliza e envia. É um negócio português e de família, pequeno mas sustentável. Só assim faria sentido e o nosso objectivo é crescer o mais possível, mas a nossa filosofia manter-se-á, sem dúvida”.

 

E, dentro dessa filosofia, observam, com agrado, o facto de, “apesar de haver imenso desperdício, consumismo, “lixo” visual e material no nosso planeta e sociedade”, existir uma preocupação e procura cada vez maior por produtos e soluções que marquem a diferença pela positiva, que reutilizem, reciclem, façam perdurar o que se tem em casa.

 


Para gente feliz e bem disposta


Chamam-se Feios, Tortos e Maus e surgiram como “uma espécie de terapia que me permitiu vencer o desânimo e, numa fase seguinte, me ajudaram a evoluir para a aposta empresarial em que hoje me encontro envolvida”.

Quem o diz é Joana Ferrão, a mentora destes bonecos confeccionados com recurso ao aproveitamento de tecidos e botões já utilizados em vestuário, através de técnicas tradicionais de costura e que procuram caricaturar figuras ou factos do imaginário português. É difícil não sorrir ao olhar para o Fernando Assoa, o Luiz Vaz de Limões ou a Tália Rodrigues, alguns dos nomes com que Joana baptiza as suas criações, todas elas envoltas numa determinada história ou numa tradição popular. “Esta fase criativa é, por assim dizer, a mais difícil, pois só passo à confecção quando tenho a certeza de que o produto final me vai agradar”. Agradalhe a ela e a um número crescente de clientes, geralmente pessoas felizes e bem-dispostas, que fazem do sorriso a sua energia de vida e procuram levar para casa uma companhia divertida. “Para além disto, devo dizer, com muito agrado, que grande parte dos compradores privilegia o facto de se tratar de um tipo de artesanato que recorre, exclusivamente, a material reutilizado.

 

Embora o meu contributo seja de uma escala muito reduzida, tenho orgulho nesta opção e sinto-me recompensada quando os clientes o reconhecem. Fico, igualmente, feliz, por notar que a reciclagem e a reutilização fazem já parte do quotidiano profissional de diversos artesãos e criativos, provando que, em diferentes áreas, é economicamente possível, sem danos irreparáveis para o ambiente, enveredar por uma produção alternativa mas igualmente competitiva.

 

 

Brinquedos intemporais


O patriarca da família Gandra, Alfredo, é marceneiro e especialista em restauros. Certo dia, decidiu fazer um brinquedo que viria a ser a semente do projecto que, actualmente, se dá a conhecer como Oficina do Alfredo. “Somos um projecto familiar, que se dedica à produção artesanal de brinquedos. Queremos produzir objectos com alma, autênticos e simples, que acreditamos que são os melhores para as crianças”, explica  Hélder Granda, que confirma as preocupações ambientais como uma das bases deste projecto.

 

“A sustentabilidade é, de certa forma, o nosso paradigma. Os nossos brinquedos podem ser reparados e restaurados e ter uma aptidão para o uso e vida útil prolongada, ao contrário dos modernos brinquedos que se tornam obsoletos e, normalmente, não podem ser reparados ou restaurados. Acreditamos que pelo exemplo que os pais podem dar ao mostrar às crianças que se preocupam em reparar os brinquedos e perpetuá-los, elas vão tornar-se adultos com maior preocupação em não desperdiçar. Chamamos a isso formar o carácter das crianças através do exemplo”. A isto se junta o facto de estarmos a falar de brinquedos feitos a partir da reutilização de madeira recolhida e de excedentes da produção industrial de móveis, o que permite diminuir consideravelmente o desperdício de matéria-prima. Na Oficina do Alfredo não se utilizam acabamentos com verniz e as tintas utilizadas são à base de água, logo mais amigas do ambiente. “A preocupação com o planeta é uma urgência que tarda a implementar-se em maior escala.

 

Todos nós dependemos do ecossistema onde estamos inseridos. As interdependências estão expostas, e o homem tem de perceber que tem de cuidar do jardim do vizinho se quer que o seu jardim floresça”, completa Hélder.

 

 

Brinquedos intemporais


Depois de alguns anos como freelancer em ateliers de design, gestora e formadora na área do design gráfico, Ana Mineiro decidiu aventurar-se na criação de um atelier próprio, o atelier Mãos de Tesoura. “O facto de a Mãos de Tesoura se orientar segundo processos de produção não massificados tem vindo também a assumir-se uma fantástica mais-valia para o funcionamento da marca e consequente recepção por parte do público. Os brinquedos e produtos Mãos de Tesoura destacam-se de outras marcas de brinquedos – portuguesas ou não – não só pelos processos artesanais de que fazem uso, mas também pelo recurso a tecidos em algodão facilmente laváveis e por não desperdiçar materiais”, explica a mentora, garantindo que nada se desperdiça no atelier e que dificilmente algum tecido é deitado fora.

 

Como muitos dos produtos Mãos de Tesoura fazem uso de técnicas de patchwork, Ana consegue ir usando os bocadinhos de tecido que sobram nos álbuns de fotografias, nas bolas ou nas rocas, principalmente. “A acrescentar a tudo isto, tenho a sorte de ter duas amigas que, com regularidade, reúnem as sobras de tecidos das colecções de roupa/acessórios da sua marca para que eu as possa usar na Mãos de Tesoura, evitando também elas, desta forma, o seu desperdicio”, acrescenta, prometendo que a marca continuará a pensar, sempre, com o coração, e a privilegiar as amizades e as parcerias.

 

 

Desenhar “pró boneco”


Apresenta-se como Menina Inclinada e é uma marca Portuguesa que pega em desenhos infantis e transforma-os em pequenas esculturas de pano. A ideia saiu da cabeça de Susana Araújo, depois de ter percebido que não tinha consigo nenhum dos desenhos feitos na sua infância. “O nosso slogan é ‘abraça a tua imaginação’ e a nossa missão é fazer com que cada vez mais crianças possam abraçar os seus sonhos”, explica. Neste momento, já existem Inclinados espalhados por Portugal e por países como Brasil, Suíça, Canadá ou Austrália, entre outros, quase sempre encomendados por pais, avós ou tios que querem oferecer algo mais do que um brinquedo. “Quando oferecem um Inclinado, sabem que estão não só a contribuir para o desenvolvimento criativo e emocional da criança, como também estão a contribuir para a sua confiança e autoestima. 


Os Inclinados são didácticos, criativos e deixam as pessoas felizes”, afirma Susana, sublinhando o facto de todos os trabalhos serem únicos e executados manualmente. “Cada boneco é um projecto único e todos materiais utilizados na confecção e enchimento dos mesmos são recicláveis e duráveis.

 

Uma vez que os trabalhos são feitos à mão e são utilizadas apenas máquinas domésticas, não existem desperdícios e o consumo de energia é muito reduzido, contrapondo com a produção em larga escala. É fundamental preservamos o planeta para as próximas gerações”.

 

 

Pelas próximas gerações


A Maria Mimocas tem uma missão: fazer nascer aquele brinquedo ou acessório especial, que guardamos para o resto da vida. “São peças únicas de artesanato que não se repetem, pois cada peça ganha vida própria e marca uma data especial”, defende Dina Bernardino. Das suas mãos saem criações feitas com tecido 100% algodão e que procuram recuperar a reutilização e a “refinalidade". “Por exemplo, podemos usar botões em vez de rodas de plástico ou, até, uns galhinhos de árvore a imitar as hastes de uma rena”, exemplifica.

 

“A Maria Mimocas preocupa-se com o essencial, que é a função do brinquedo: brincar! Desenvolver a criatividade brincando com um boneco de pano é muito diferente da que é estimulada ao jogar num tablet, por exemplo. É possível estimular a construção de competências através do imaginário, de responsabilidade, até de algum código de conduta através da simulação. E isso é fundamental para um crescimento saudável a longo prazo. Crianças saudáveis são adultos saudáveis e responsáveis e precisamos urgentemente de voltar até aqui. A sustentabilidade também é isto. Hoje somos responsáveis pela saúde das próximas gerações”.

 

 

Selva de brincar


A marca Bleebla foi lançada a 5 de Maio deste ano, mas a génese do projeto remonta a 2006, altura em que Ana Ferreira e Luís Leite começaram a desenhar e construir objectos/ brinquedos para um sobrinho recém-nascido. Dessa experiência, entre outros objectos, resultou a “caixa dos bichos” que, em 2009, foi seleccionada para a 1a Mostra POP’s – Projetos Originais Portugueses – da Loja de Serralves. “Definimos a bleebla através do seu objectivo principal: conceber e produzir objectos simples, privilegiando matérias-primas naturais e locais, conjugando a tradição material e sensorial com a contemporaneidade conceptual e técnica. O nosso mote é “brinca com a natureza!”, explica Ana.


Na bleebla, a matéria-prima é apenas de origem portuguesa ou europeia. Esta opção resulta de uma preocupação com questões de sustentabilidade e da tentativa de minimizar as cargas ambientais relativas ao transporte, utilizando matérias-primas locais e, sempre que possível, de fontes ambientalmente certificadas, como é o caso da cortiça e da madeira. “Também utilizamos embalagens de cartão reciclado e com origem em florestas com exploração certificada”, afirma a responsável pelo projecto, garantindo que, na bleebla, acreditam que a forma como os brinquedos são pensados e concebidos, permitem que passem de geração em geração, aumentando assim a sua vida útil e tornando-os ainda mais sustentáveis.

 

 

Belíssimas imperfeições


Inês Freitas e Gonçalo Martins formam a INELO, uma dupla criativa que deu vida aos (Im)Perfeitos, bonecos que transportam para o universo do craft design características das pessoas que os encomendam. E o aproveitamento de materiais é incontornável para a dupla. “A nossa casa e o nosso atelier estão ambos recheados de coisas recicladas. É um vício saudável que acaba por passar para o nosso trabalho. Foi um percurso natural, que começou com a utilização de roupa velha para fazer um boneco”, recorda Inês.

 

Da brincadeira ao “negócio” foi um instante e, desde então, os amigos e família já sabem o que fazer a roupa que já não serve. Os (Im)Perfeitos ficam ainda mais jeitosos e Inês e gonçalo acreditam que esse gesto pode despertar a consciência das pessoas para pequenos gestos que custam pouco, mas que podem fazer uma grande diferença.

 

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